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2ª edição, 13 de abril de 2020

Prezados,

Esperamos que todos continuem com saúde e segurança nesse período de isolamento social. Na última semana começamos o envio de uma série de cartas para os nosso clientes, parceiros e amigos. A nossa ideia é conseguirmos acompanhar, como um diário, os acontecimentos e a história que estamos vivendo, dividindo com vocês o nosso olhar a respeito. Essa crise nos pegou de surpresa, os cenários mudam diariamente e ainda não se sabe as cenas dos próximos capítulos.

Numa entre tantas lives que acompanhamos, o jornalista Thomas Friedman classificou o que estamos vivendo como um momento único na história da humanidade. O ganhador de três prêmios Pulitzer, entende que iremos dividir a história recente entre A.C. (Antes do Coronavírus) e D.C. (Depois do Coronavírus) dada a gravidade da situação. O fato é que esse momento ímpar vem nos trazendo mais dúvidas do que certezas. Quando iremos sair do isolamento? Quando teremos uma vacina? Quanto tempo vai levar para a economia se recuperar? Essas são algumas das perguntas que nos fazemos todos os dias.

Como o futuro é incerto e o mundo pós a pandemia uma interrogação, nos cabe analisar o hoje e apresentar sugestões para passarmos por essa fase. A nossa missão é levarmos até vocês a situação do presente sobre os setores de petróleo, combustíveis líquidos, biocombustíveis, gás natural e energia elétrica.

Contem com a gente!

Adriano Pires, Bruno Pascon e Pedro Rodrigues
PETRÓLEO
Com o aumento de casos de COVID-19 nos EUA e a decisão de extensão de medidas de isolamento ao redor do mundo (como o caso do Japão que adotou medida mais restritivas em função do aumento expressivo de casos em intervalo curto de tempo), as projeções de impactos negativos no comércio global, crescimento econômico e índices de desemprego se acentuam. Do lado positivo, países como Itália e Espanha parecem ter ultrapassado o pico de contágio e começam a estudar medidas de alívio do isolamento, enquanto na China retomou-se 75% das atividades econômicas.

Com a queda da demanda de petróleo podendo ultrapassar 25 a 35 milhões de barris por dia (mbpd) entre Abril e Maio retomaram-se as conversas por parte da OPEP+, EUA e países do G-20 para buscar uma solução que permita passar pelo período de crise de demanda que invariavelmente – dado o stress na capacidade de armazenamento mundial – envolverá cortes de produção. Na última quinta feira (09 de abril de 2020), com a pressão do Presidente Donald Trump, a OPEP+ conseguiu fechar um acordo sobre o corte de oferta. Segundo o que foi decidido na reunião, a OPEP vai reduzir a oferta em 9,7 mbpd em Maio e Junho, 7,6 mbpd no segundo semestre e 5.6 mbpd entre o 1T21 e Abril de 2022. A ideia de anunciar cortes futuros cria um movimento especulativo tentando o aumento de preço no mercado futuro. Hoje só existem perdedores. Os russos e os sauditas não podiam imaginar uma queda brutal da demanda com preços abaixo dos 30 dólares. Achamos que o acordo vai funcionar em maio e junho. Na segunda e terceira parte dependerá de como a economia vai se comportar. O Brasil se voluntariou a contribuir e já anunciou cortes de 200 kbpd e dialogou com autoridades norte-americanas e sauditas para buscar alternativas.

As International Oil Companies (IOC) já anunciaram cortes de capex entre 25% e 35%, além de iniciativas em corte de custos. A Petrobras lançou novamente um Programa de Demissão Voluntária para adesões até 2023.

Os preços do Brent devem continuar com uma alta volatilidade e seguirão sendo impactados positivamente por qualquer nova declaração de cortes de produção e negativamente por atualizações de nível de atividade econômica pós-crise.

Dessa forma espera-se que preços permaneçam entre US$20-40/bbl no 2 trimestre e possível recuperação para US$35-55/bbl ao longo do segundo semestre, desde que o pico de contágio e inflexão na curva de casos ocorra durante o verão no hemisfério norte.

COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS E BIOCOMBUSTÍVEIS
Dados de tráfego no final de março e início de abril corroboram com o cenário de redução de vendas de combustíveis para Ciclo Otto em algo como 45%. Dado o impacto de preços mais baixos da gasolina, é fundamental para a indústria do etanol que medidas de preservação de capital de giro sejam tomadas rapidamente já que a safra 2020/21 se iniciou em primeiro de abril. A safra já estava com perfil mais açucareiro devido aos déficits de produção da Índia e Tailândia. Mesmo com a redução dos preços do açúcar de US$15c/lb para US$10c/lb o perfil de produção não foi completamente afetado. Isso porque a política de hedge de produtores a preços mais altos e a desvalorização do real compensaram, em larga medida, a redução dos preços em dólar. Dessa forma projeta-se um aumento de aproximadamente 5 milhões de toneladas para a safra 2020/21 vs. a safra 2019/20. O mix da produção deverá ser 38-39% para açúcar vs. 35% na safra passada. A produção do centro-sul de etanol pode cair 2 bilhões de litros. Isso será parcialmente compensado por um possível aumento na produção de etanol de milho  de 1 bilhão de litros. Portanto a produção total de etanol (incluindo Norte e Nordeste) será na casa de 34 bilhões de litros vs. 35,3 bilhões na safra anterior. O consumo de etanol em função da crise deve reduzir para 30,2 bilhões de litros, ocasionando uma sobre oferta potencial na safra de 4 bilhões de litros. Para combater esses problemas, além de uma CIDE mais alta na gasolina seria importante a warrantagem da produção de abril e maio – 6 bilhões de litros seriam vendidos em até 2 anos. Também, seria importante, um financiamento do governo federal usando a garantia de estoque, tirando excesso de produção do mercado.

Em função do novo cenário, a meta de comercialização de 28,7 milhões de Créditos de Descarbonização (CBIOs) do RenovaBio em 2020, deveria ser revista. Uma nova meta precisa ser definida antes do dia 27 de abril, data originalmente prevista para início da comercialização dos CBIOs. No entanto, o novo volume precisa de aprovação do comitê do RenovaBio e no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), procedimento que pode se estender por cerca de 90 dias.

Caso essa indefinição não atrapalhe o início da comercialização, cria-se uma alternativa positiva aos usineiros. A venda de CBIOs pode representar certo alívio aos produtores que estão com dificuldades financeiras e, os valores reduzidos podem ser atrativos às distribuidoras.

GÁS NATURAL CANALIZADO

A indústria de distribuição de gás natural canalizado – análogo ao segmento de distribuição de energia elétrica – também concentra 100% dos esforços arrecadatórios do setor, embora fique somente com 20% da fatura de gás. Dessa forma, dada o aumento de volume de inadimplência decorrente da crise atual é importante que medidas emergenciais sejam tomadas para preservar o equilíbrio econômico-financeiro do setor e, por extensão, de toda a cadeia de gás incluindo transportadores e produtores. Dentre as medidas possíveis destacam-se: (i) a possibilidade de antecipação de redução de 10% nos preços de gás natural por parte da Petrobrás para abril vs. o cenário recorrente de maio, e (ii) a criação de um Fundo de Compensação de Inadimplência para cobrir inadimplência de natureza não recorrente. O setor de gás natural está precisando de uma atenção do governo federal semelhante a que está sendo dada para as empresas de distribuição de energia elétrica.

Com a sobre oferta de petróleo e gás atingindo o pico entre abril e maio não se enxerga pressão positiva de preços de GNL no curto prazo. Os preços no Henry Hub devem permanecer na faixa de 1,30 a 2,00 dólares até que medidas de isolamento possam se afrouxar paulatinamente no futuro. pré sal nesse preço não fecha a conta. No curto prazo não compete com o GNL. No Brasil a combinação de chuvas dentro ou acima da média de longo termo com retração de demanda tem feito com que reservatórios se recuperem com velocidade, exceto o subsistema Sul. Com a chegada do período seco no Brasil e inverno na Argentina entre Maio e Junho – período que sazonalmente eleva o consumo de gás no país para abastecimento de sistemas de calefação – apurar-se-á qual impacto na demanda de gás natural que pode levar a efeitos positivos de preços, a despeito dos efeitos de isolamento social. No Brasil não se espera movimento de despacho térmico mais expressivo antes de julho, com volume praticamente circunscrito aos patamares de uma inflexibilidade do parque térmico existente.

ENERGIA ELÉTRICA
Devemos parabenizar o governo federal, Ministério de Minas e Energia, Congresso e agência reguladora ANEEL pela celeridade no processo de salvaguarda do capital de giro das distribuidoras, além de permitir o alívio por 90 dias nas contas de luz de consumidores baixa renda.

Por intermédio de medidas provisórias, o governo operacionalizou: (i) a isenção da conta de luz por 90 dias para consumidores baixa renda, com custo mensal de R$1 bilhão, dos quais R$900 milhões a serem cobertos pelo Tesouro Nacional; (ii) a disponibilização de empréstimo setorial de R$20 bilhões para cobertura de capital de giro das distribuidoras (o que equivale a aproximadamente ao faturamento de 30 dias das distribuidoras) nos mesmos moldes do empréstimo da conta ACR de 2014; (iii) a liberação de R$2 bilhões de créditos represados para distribuidoras; e (iv) discussão de utilização de créditos de P&D e desonerações futuras via CDE para alívio tarifário. Também de maneira salutar, a ANEEL homologou os reajustes tarifários de subsidiárias da CPFL Energia e Energisa, mas com repasse suspenso até junho, com correção integral do lapso temporal, preservando-se a segurança jurídica e geração de receitas futuras para as distribuidoras.

Uma vez que os problemas de curto e curtíssimo prazo são endereçados, problemas como a sobre-contratação das distribuidoras podem ser discutidos com mais calma envolvendo alternativas como leilões de descontratação de energia, alívio de penalidades por contratação acima de 105% com governo federal arcando com o custo do repasse para as tarifas (para que a sobre-contratação não seja paga pelos consumidores), ou não relicitação de usinas térmicas com CVU alto cujos contratos vencerão entre 2023 e 2024.

CONCLUSÕES

Aos poucos as medidas emergenciais para preservar os setores que lidam com o consumidor final estão sendo tomadas, bem como as de amparo à população carente para atravessar esse difícil momento na maneira mais digna possível. A operacionalização do auxílio mensal de R$600 por aplicativo e pela internet – com 21 milhões de acessos no primeiro dia – a isenção da conta de luz para consumidores baixa renda, bem como medidas de proteção do emprego, suspensão temporária no pagamento de tributos e oferta de liquidez e crédito para micro e pequenas empresas serão fundamentais para o país atravessar essa crise sem precedentes.

Com o pico do contágio se aproximando e a manutenção de uma coordenação de saúde pública exemplar – já elogiada pela Organização Mundial da Saúde – o país poderá em breve discutir medidas de suavização do isolamento social.

No setor de energia iremos conviver com volatilidades no preço do barril de petróleo, no setor de gás natural esperamos medidas através de bancos, BNDES e Tesouro que permitam dar uma solução para a inadimplência enquanto estivermos no período de crise. Nos combustíveis líquidos o governo deve ter senso de urgência para tomar as decisões em relação ao etanol e na energia elétrica a continuidade das ações iniciadas nessa semana.