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3ª edição, 15 de maio de 2020

Prezados,

Continuamos vivendo tempos de incerteza em todo o planeta. No Brasil, além da crise sanitária e econômica vivemos uma crise política. Estamos no terceiro Ministro da Saúde em meio a pandemia. O mercado de energia continua agitado em todo o mundo, mas cenários começam a ser desenhados ao menos no curto prazo. Nós do CBIE continuamos analisando o setor de energia e levando pra você, nosso leitor, possibilidades e direções nesse momento de crise.

Contem com a gente!

Adriano Pires, Bruno Pascon e Pedro Rodrigues

COMBUSTÍVEIS E BIOCOMBUSTÍVEIS

É importante notar que a maioria absoluta dos países do mundo, a indústria de biocombustíveis tem o reconhecimento das suas externalidades positivas versus combustíveis fosseis feitas através de diferencial de impostos. Em cenários de preço de Petróleo ultra baixos não é fisicamente viável a competição puramente em preços dos biocombustíveis (o poder calorifico do etanol é 75% do da gasolina). O Brasil e o mundo precisam dos 2 combustíveis (gasolina e EH) e por isso foram acordadas metas de descarbonização das quais o etanol é o maior contribuinte na área de transportes. Ou acreditamos e suportamos a transição energética para uma matriz mais limpa ou vamos esquecer isto tudo e aproveitar o petróleo barato e não nos importar com as mudanças climáticas. Esta é uma decisão que como país e sociedade podem tomar mas não foi a que tomamos quando nos comprometemos com o Acordo de Paris. Se o Renovabio (lei aprovada e que tinha o seu inicio marcado para jan/20, mas foi adiado por problemas técnicos e operacionais da ANP, B3, certificação, etc…) estivesse em operação agora como previsto nós não estaríamos tendo esta discussão sobre a CIDE, por que o mercado estaria precificando os CBIOs e portanto as usinas estariam recebendo a remuneração adicional como contrapartida do offset das emissões da gasolina. Portanto o aumento da CIDE temporário, está fazendo o papel do CBIO enquanto ele não está operacional, não é portanto algo adicional de remuneração ao setor, em detrimento do consumidor, como é a sua percepção. O CBIO foi desenhado como instrumento de precificação a mercado e portanto muito mais eficiente. O outro ponto é que este aumento temporário da CIDE não vai tirar 1 litro da venda de gasolina no Brasil, pois a produção de etanol hidratado desta safra que começou no dia 1 de abril, já esta dada, será a quantidade da cana no campo que será moída – a produção máxima de açúcar. E a venda de gasolina será o total da demanda de ciclo otto – a produção de etanol hidratado. Ou seja, o aumento da CIDE não irá deslocar venda de gasolina porque o volume disponível de etanol hidratado é limitado e já esta dado e não existe possibilidade de importação e etc. O ano atual será de max açúcar e max gasolina dado os preços relativos destes dois produtos, portanto não vemos a preocupação da retirada da competitividade da gasolina. De fato, o consumidor terá um aumento de preço na gasolina, que já está nos menores níveis em US$ dos últimos 4 anos, mas como descrito acima este delta é um pedaço da conta do balanço das externalidades entre os 2 produtos e que estaria sendo cobrado via Renovabio. O imposto de importação temporário sobre a gasolina seria um efetivo instrumento para garantir o abastecimento do GLP nacional já que aumentaria a necessidade de gasolina nacional que contribui para o aumento da produção do GLP. Ou seja, a combinação de medidas temporárias de imposto de importação e CIDE terão vários aspectos positivos, incluindo a necessária recomposição de arrecadação de impostos dos vários entes da federação e a manutenção de empregos no brasil via Petrobras e setor sucroenergético. Em tempos de guerra medidas temporárias e focadas tem que ser tomadas.

PETRÓLEO

Pela primeira vez na história, o contrato futuro do petróleo fechou em campo negativo. O fato inédito ocorreu no dia 20 de abril, quando venceram os contratos de maio do petróleo tipo West Texas Intermediate (WTI), negociado nos Estados Unidos (EUA). O preço de fechamento foi de US$ -37,63 o barril, representando uma queda de mais de 300%. Reflexo de uma crise que teve início com a pandemia do Coronavírus e a necessidade de isolamento social. Com isso, veio desaceleração da atividade econômica global e a forte redução da demanda por derivados. No mercado de petróleo, o início da crise ainda foi agravado pelo conflito entre Rússia e Arábia Saudita, que começaram a inundar a oferta, mas viram que a situação sobrepujava a vaidade dos grandes produtores e um acordo foi realizado, com a mobilização de outras grandes nações.

A histórica queda do preço do petróleo ressaltou que a oferta sobrepôs à demanda de tal forma que os níveis de armazenagem estavam atingindo o limite. Em Cushing, centro de entregas para o WTI, a capacidade de armazenamento estava 76% comprometida, já em 17 de abril, segundo a U.S. Energy Information Administration (EIA). Os cerca de 20% de capacidade, teoricamente disponíveis, não estavam fisicamente preenchidos, mas estavam contratados por leasing. Um alerta regional sobressaltou o mundo tão interligado.

Outro fator que pesou sobre o preço do petróleo foi a opção dos traders em encerrar suas posições, ao invés de rolá-las para junho. O forte declínio do WTI, na semana que antecedeu do fatídico dia 20, fez com que a diferença entre os preços dos contratos com entrega para maio e junho ficasse muito grande, tornando a rolagem financeiramente desvantajosa, ainda que o contrato de junho tenha ficado acima de US$ 20 por barril. A diferença entre os contratos representa o custo do armazenamento.

Há algum tempo, o investidor típico de contratos futuros não quer receber fisicamente o petróleo no final do mês e, portanto, se dispõem a pagar alguns dólares para passar de um contrato para o próximo. Na nova configuração de cenário, até então atípico, a escassez e o alto custo do armazenamento de petróleo disponível levaram vários participantes do mercado a fechar suas posições antes de terem que liquidar fisicamente seus contratos. Alguns contratantes recorreram à venda de seus contratos futuros a preços negativos, ou seja, com o pagamento de uma contraparte para sair de suas posições. Assim sendo, os investidores que possuíam o contrato do WTI de maio pagaram até US$ 40,32 para não receber barris físicos de petróleo até o final do mês. E, qualquer disponibilidade na capacidade para armazenar petróleo por um mês poderia render US$ 58,06 por barril.

Os preços positivos de outros benchmarks de petróleo bruto, como o contrato do tipo Brent, e preços positivos para contratos mais longos do WTI sugerem que os recentes movimentos de preços foram predominantemente impulsionados pelo prazo de vencimento do contrato de maio de 2020, no contexto de um declínio acentuado no consumo. Tomados em conjunto, esses fatores sugerem a hipótese que o fenômeno dos preços negativos do WTI se limita principalmente ao mercado financeiro. Mas, o fato é que estamos rodeados de incertezas.

A disponibilidade de armazenamento em Cushing (EUA) deve continuar sendo monitorada, por ainda ser capaz de resultar em movimentos voláteis de preços no contrato futuro do WTI de junho, pela possibilidade de limitação de armazenamento. Esse evento extremo ressaltou a importância do armazenamento de petróleo e seus derivados. Diferente de outras commodities, não é possível derramar petróleo pelo ralo ou incendiá-lo, ao menos essa não é uma opção em um mundo ambiental, social e governamentalmente consciente.

Por isso, a atenção estará voltada para a capacidade de armazenamento e para os contratos futuros a vencer. Se a demanda não se recuperar em breve, o limite de manutenção de estoques poderá forçar os investidores a, mais uma vez, liquidar suas posições na data de vencimento desses contratos, empurrando os preços para o negativo, novamente. E, se o armazenamento global se esgotar, o contrato do Brent poderá seguir o mesmo caminho do WTI.

Claramente, armazenar petróleo agora é um negócio melhor do que produzi-lo. Por não estarmos vivendo em tempos lógicos, não se sabe o que esperar. Entretanto, é preciso traçar os próximos passos. Embora exista um acordo para a redução de oferta global de petróleo, esse é considerado insuficiente diante do novo cenário. Somente a queda brusca da produção mundial nas próximas semanas, podem apresentar um resultado diferente nos próximos meses.

Por conta desse episódio, as premissas por trás dos modelos de risco dos negócios terão que ser revistas e incluirão cenários que pareciam impossíveis. Espera-se, ainda, reação política em prol do setor. Além disso, geopolítica pode ter outra reviravolta. Os EUA que estavam despontando como potencia de petróleo e gás baratos, agora perderam a vantagem comparativa. Os preços caíram para todos os países e os norte-americanos terão que administrar os riscos da produção de shale diante dos baixos patamares de preços.

As perspectivas de curto prazo para o mercado de petróleo dependerão, em última análise, da rapidez com que os governos agirão para conter o surto de coronavírus, do êxito de seus esforços e do impacto prolongado que a crise global da saúde tem na atividade econômica. Neste cenário, a curva de contágio do coronavírus se tornou o principal catalisador do setor de petróleo. Porque só com o retorno da população às ruas que a demanda por petróleo será retomada. Caso contrario, e o mais provável e que na duvida, a responsabilidade manda uma intervenção do governo americano no mercado de óleo. Intervenção essa que pode ser através de empréstimos, compra de ações das empresas ou compra de petróleo em contratos futuros.

DESTAQUES DOS RESULTADOS DO 1T20 DA PETROBRAS

A companhia divulgou resultados referentes ao 1T20 no dia 14 de Maio, depois do fechamento do mercado.

Do ponto de vista operacional, destaque positivo para os resultados do business de Exploração & Produção (E&P), a despeito da queda das cotações médias do Brent para US$50,26, devido principalmente à redução do lifting costs e aumento no volume de exportações no trimestre. Como destaque negativo, o business de refino apresentou prejuízo. Uma das razões foi o impacto de marcação a mercado de estoques com preços médio mais baixos.

Corroborando com a disciplina na gestão de custos da companhias, custos de G&A apresentaram redução ano contra ano de 14,4% e de 10,6% em relação ao 4T19, que atribuímos como positivo.

Olhando para a performance financeira, o principal destaque foi o efeito negativo da desvalorização cambial nos resultados da companhia que, juntamente com os resultados do segmento de refino e menores preços médio de petróleo explicam os prejuízos do trimestre, mesmo desconsiderando-se o significativo impacto de impairment (baixa de ativos) realizada no trimestre, um evento de natureza não caixa.

Olhando para a geração de caixa e endividamento, o EBITDA ajustado da companhia no trimestre alcançou R$37,5bn acima das projeções de consenso de R$34-35bn. O fluxo de caixa livre (FCF) no período foi de US$15bn, com saída de caixa líquida com investimentos de US$1,9bn.

Devido a desvalorização cambial, o índice de dívida líquida / EBITDA atingiu 2,73x versus 2,46x em 31 de Dezembro de 2019, mas abaixo do patamar do mesmo período do ano anterior de 3,19x.

O prejuízo reportado foi de R$(48,5)bn devido principalmente a baixa de ativos de R$(65,3)bn no trimestre.

Em suma, os resultados da companhia foram sólidos, com geração de caixa acima das projeções de mercado e disciplina na gestão de custos (lifting costs e G&A), com impactos negativos no bottom line principalmente devido a eventos de natureza não caixa.

GÁS NATURAL

Com exceção da demanda de GLP que permanece 12% acima em relação ao ano passado em decorrência da pandemia de COVID-19, os cenários negativos de demanda e de inadimplência tem se confirmado quando olhamos os dados de Abril e primeira quinzena de Maio. No caso do gás natural canalizado, o percentual de inadimplência já alcançou patamares de até 40%, enquanto no setor de energia elétrica 13%, o que traz impactos negativos para o capital de giro de tais empresas, que representam o caixa de ambos os setores.

Os preços de gás natural, a despeito da desvalorização do real já apresentaram redução média de 12% e projeta-se nova redução para próxima rodada de ajustes prevista para Agosto.

No lado da demanda, o cenário negativo persistirá enquanto não houver visibilidade de retomada gradual da atividade econômica. Neste assunto, a projeção oficial do governo já alcançou uma redução de 4,7% para o ano, enquanto consultorias econômicas e bancos continuam atualizando recorrentemente as suas premissas sempre acentuando o cenário negativo de contração econômica.

A verdade é que enquanto não houver uma desaceleração no número de casos no Brasil – que tem assistido um crescimento exponencial nos últimos 15 dias – não será possível dimensionar o tamanho efetivo do impacto econômico, seja no curto ou no médio prazo.

Em relação a possíveis medidas para salvaguardar o setor de gás natural canalizado, o ministro de Minas e Energia em live recente promovida pelo BTG Pactual sinalizou o mantra de que “ninguém ficará pra trás” nessa crise e que, portanto, análogo ao processo de amplo diálogo para se aprovar medidas emergenciais para o setor de distribuição de energia elétrica, o setor de distribuição de gás natural também será contemplado com medidas de preservação de caixa e sustentabilidade durante a crise.

ENERGIA ELÉTRICA

Revisões gradativas de cenário de retração econômica levam a revisões gradativas de cenário de retração de carga de energia para 2020 em diante. O efeito negativo de redução de carga no mês de Abril de 13% vs. estimativa de 10%, bem como a manutenção e, em alguns locais, aumento de medidas de isolamento social levaram a uma revisão extraordinária no cenário de carga para o período de 2020-24 culminando-se com redução de 5,3 GW médios de projeção de carga no ano de 2024 em relação a previsões anteriores.

Dado que o consumo de energia, em que se pese a relativa resiliência do consumo residencial, deve continuar em patamar negativo ao longo do segundo trimestre, uma visão mais assertiva da projeção de carga não será possível antes que se vislumbre a inflexão negativa no número de casos de COVID-19 e consequente início do alívio da situação de ocupação de hospitais para que o afrouxamento do isolamento possa ocorrer.

O impacto negativo apurado com a pandemia para o setor elétrico em Abril, segundo dados da ANEEL alcançou R$2,6bn e a expectativa é que o número seja maior em Maio. Em função dos impactos nos volumes e inadimplência, os agentes do setor estão todos concentrados em chegar a um acordo com bancos e reguladores para que se defina os valores de empréstimo da conta COVID-19, que estima-se fique entre R$12 a 15 bilhões vs. estimativas preliminares de R$15 a 20 bilhões. O principal foco é costurar um acordo que possa suavizar impactos tarifários futuros, como ocorrido pós conta-ACR em 2014.

Com relação à velocidade de recuperação de consumo de eletricidade, não é possível no momento auferir se esta se dará em V ou U, mas se espera que ocorra de maneira muito mais célere do que a observada no pós racionamento de 2001 em que uma ampla campanha publicitária levou a mudanças estruturais nos hábitos de consumo, o que não se projeta, ao menos não em mesma medida na situação presente.

Com as estimativas de redução de carga reforça-se no momento a possibilidade de se discutir a antecipação do encerramento de contratos de térmicas a óleo combustível e diesel como uma das ferramentas de se adequar a situação temporária de sobrecontratação das distribuidoras que atinge até 140%.

Como a EPE projeta retirar 15.512 MW médios do sistema nos próximos 10 anos, o balanceamernto adequado de retirada dessa capacidade, combinada com a substituição de oferta térmica por plantas a gás natural de CVU mais baixos e menos poluentes permitirá que a expansão de fontes renováveis (em especial solar e eólica) continue sem que a operação do sistema seja comprometida por maior índice de intermitência.

O efeito indireto positivo será menor volatilidade dos preços PLD e possibilidade de definição de teto menor que trarão no futuro menores impactos tarifários em caso de cenários negativos de projeção de afluências.

De fato, ter mais térmicas de base permitiria preservar volumes de reservatórios hídricos, ainda a alternativa de menor custo para balanceamento de suprimento em razão da maior penetração de renováveis intermitentes na última década.

A sinalização de que o governo pretende manter a realização de leilões, como o de transmissão de energia (recentemente dinamizado com mais lotes) e o A-4 e A-5 térmico é importante para que, quando a pandemia se arrefecer, os investimentos, geração de emprego e renda possam ser retomados da maneira mais rápida possível em prol de cenário futuro mais promissor para todos os brasileiros.