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Nesse cenário preocupante, o que se viu foram estimativas de preço de curto e longo prazo desgarrados da realidade, emitindo sinais de demanda e de despacho incoerentes com um sistema equilibrado

 

A crise hídrica saiu das páginas dos veículos setoriais, nos últimos dois meses, para ganhar destaque nos telejornais de maior audiência do País. Voltamos 20 anos no tempo, ouvindo novamente as palavras “racionamento” e “energia” em uma mesma frase.

Ainda é cedo para afirmar que a população passará novamente por medidas tão drásticas como as ocorridas em 2001. Mas o apelo do governo para um uso mais racional de energia elétrica, em pronunciamento do ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) em rede de televisão, dá um bom indicativo da gravidade da situação.

De imediato, a conta ficará mais cara para os consumidores. Também poderá haver restrições para o uso da água na agricultura e na indústria. A demanda de potência, em horários de pico, poderá levar a blecautes pontuais. E o final do ano poderá ser bastante
tenso caso o período úmido, a partir de novembro, traga poucas chuvas.

Não se trata de ser engenheiro de obra pronta. Não é de hoje que alertamos para a fragilidade do planejamento energético nos últimos anos, baseado em grande parte em variáveis climáticas exógenas, o que tornou o suprimento do sistema elétrico brasileiro altamente dependente de hidrologia, bem como da velocidade dos ventos e do nível de irradiação solar para manutenção de sua confiabilidade.

Do ponto de vista hidrológico, a constatação poderia ser feita com uma análise mais distanciada dos dados por bacia hidrográfica que compõe cada subsistema elétrica. No período entre 2001 e 2020, com exceção do subsistema Sul, os demais reservatórios dos subsistemas que respondem por 93,1% da capacidade máxima de armazenamento do Sistema Elétrico Brasileiro apresentaram redução consistente no volume de energia natural afluente.

É notório que, ao longo desses 20 anos analisados, o ritmo de recomposição de reservatórios teve alterações, não só pelo efeito de menor volume de chuvas, mas também em decorrência do gradual e consistente aumento de temperaturas e da própria evaporação da água – efeito, provavelmente, do aquecimento global.

Mesmo nesse cenário preocupante, o que se viu foram estimativas de preço de curto e longo prazo desgarrados da realidade, emitindo sinais de demanda e de despacho incoerentes com um sistema equilibrado.

O último Plano Decenal de Energia (PDE 2030), por exemplo, teve como principal fonte prejudicada o gás natural. Além da retirada integral de oferta inflexível (usinas com geração contínua) na expansão indicativa – que possui custo inferior à oferta flexível – houve redução na capacidade projetada de gás natural ao final do decênio de 36.190 MW para 22.005 MW.

O gás natural não foi a única fonte térmica prejudicada. Houve retirada de oferta indicativa de plantas de biogás, a despeito do potencial do chamado “pré-sal caipira”. Sem sinais mais assertivos no planejamento energético, ficamos reféns das condições climáticas. Afinal, falta de chuva também significa falta de eletricidade em uma matriz elétrica com 64% de hidroeletricidade e uma presença já expressiva de fontes sazonais e/ou intermitentes.

A pergunta é: até quando seremos dependentes do clima?

O senso é de urgência: precisamos de uma matriz energética mais eficiente e segura e, claro, que seja mais limpa do que fontes que gerem quantias significativas de Gases causadores de Efeito Estufa.

Em São Paulo, onde hoje se concentra grande parte da força industrial do País, a insegurança no fornecimento de energia é ainda mais assustadora.

De acordo com dados oficiais do Governo de São Paulo, o Estado conta com mais de 18,6 milhões de unidades consumidoras, as quais, anualmente utilizam cerca de 145 mil GWh de eletricidade. Segundo os mesmos dados, apenas a indústria paulista é responsável por cerca de 36,5% de toda energia utilizada no Estado. Já as residências, que possuem mais de 90% do número de unidades consumidoras, são responsáveis por mais de 30%, seguidos pelo comércio com 22,2% e os demais setores com aproximadamente 11,3% do consumo.

Para garantir toda essa energia, o gás natural e o biogás representam alternativa disponíveis de forma abundante na região Sudeste e em outras regiões do país.

No próprio PDE-2030, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê um consistente aumento da disponibilidade de gás natural no mercado doméstico, com a produção nacional saltando de 73 milhões de metros cúbicos/dia para cerca de 146 milhões de metros cúbicos/dia em 2030.

Toda essa disponibilidade leva a um desafio: desenvolver o mercado e investir em inovação, expansão da nossa rede de escoamento, transporte e distribuição de gás natural, criando novas demandas para o consumo desse energético.

O Brasil precisa de um sistema elétrico mais seguro e confiável, acelerando a construção de térmicas a gás natural e do biogás e biometano, aproveitando o descarte de lixos e resíduos da biomassa.

Nesse cenário, propostas que fortaleçam a expansão da infraestrutura de gás canalizado representam um sinal assertivo para ampliar o uso de gás natural na matriz energética. A MP da Eletrobras, aprovada no Congresso, foi um passo nessa direção.

Outro exemplo é a prorrogação do tempo de concessão da Comgás – a proposta está em consulta pública e prevê duplicar o número de clientes, de 2,1 milhões para 4,3 milhões beneficiando diretamente o consumidor.

São iniciativas como essas que irão contribuir para um sistema energético mais robusto, sem as vulnerabilidades que colocaram o País sob o indesejado risco de falta de segurança energética.

 

 

Fonte: CanalEnergia