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Adriano Pires para o Estadão.

(Foto: DedMityay/Shutterstock)

No dia 16 de outubro, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) realizou uma reunião em caráter extraordinário destinada a avaliar as condições de suprimento energético ao Sistema Interligado Nacional (SIN). A motivação foi a queda do nível de armazenagem dos reservatórios das usinas hidroelétricas (UHEs), em decorrência do período prolongado de temperaturas altas e estiagem, sobretudo na região Sul. Esse fato, somado à retomada da atividade econômica, está contribuindo para que o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) atinja valores acima do esperado na maioria dos subsistemas, acendendo um alerta.

O CMSE declarou a importância de redução da geração hidráulica das bacias do subsistema Sul, já que, na expectativa de permanência do cenário de poucas chuvas, o armazenamento previsto para o final de outubro de 2020 será inferior ao Volume Mínimo Operativo e à premissa adotada para o Sul (Energia Armazenada – EAR 30%). Para assegurar o fornecimento energético, foi autorizado o despacho de usinas termoelétricas (UTEs) fora da ordem de mérito econômico. Nesse momento, ocorreu um primeiro problema. Dos 4,3 GW determinados pelo ONS para despacho fora da ordem do mérito econômico 3 GW não teriam sido despachados sob a alegação de que não havia gás natural em função de algumas plataformas estarem em manutenção. Ou seja, com parte dos reservatórios em níveis abaixo do esperado, as usinas termoelétricas mais caras têm sido despachadas para atender à retomada da demanda. Uma prática que vem ocorrendo desde 2013 o que mostra que a que se ter cuidado com a tese da tão propalada abundância energética.

O fato é que o país está saindo do período seco e outubro é considerado como o mês mais crítico para se fazer previsões, por ser quando começa a nova janela hidrológica. Segundo as previsões do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para outubro, a afluência deve registrar o terceiro pior desempenho para o mês em 90 anos no subsistema Sudeste/Centro-Oeste. A expectativa é que, ao final do mês de outubro, sejam atingidos armazenamentos de 23,2%, 19,8%, 52,4% e 32,5% para os subsistemas Sudeste/Centro-Oeste, Sul, Nordeste e Norte, respectivamente, resultando, portanto, na continuidade da degradação dos atuais volumes armazenados e com consequente pressão sobre os preços.

A expectativa era de preços mais baixos para outubro e novembro, mas o PLD, usado como referência para formação de preços, mantém trajetória de elevação desde setembro, chegou a crescer 64% nas regiões Sudeste/Centro-Oeste, Sul e Norte entre a última semana de setembro e a primeira semana de outubro. A previsão no início da pandemia era que o PLD ficasse em torno de R$ 100,00 o MWh em 2020. Agora, a expectativa é chegue aos R$ 400/MWh.

E preciso reconhecer que o modelo atual já não reflete as novas condições do sistema elétrico. A matriz elétrica brasileira hoje é constituída predominantemente de fontes intermitentes como hidrelétricas a fio de água, eólicas e solares. O quadro deixa evidente a importância de termos térmicas a gás natural inflexíveis no sistema elétrico perto dos centros de carga. Essas térmicas funcionarão como uma espécie de bateria virtual, permitindo um melhor gerenciamento do nível de água dos reservatórios e dando resiliência a expansão das outras renováveis intermitentes. Com esse gerenciamento, a volatilidade do PLD será reduzida com a eliminação da necessidade do acionamento das térmicas mais caras e mais poluentes, tal como vem ocorrendo a muito tempo.

A elevação nos preços em consequência do clima mais quente, da frustração nas previsões hidrológicas e do aumento do consumo, não é novidade. Esse cenário está se tornando cíclico desde 2013. Portanto, não se pode deixar que fatores exógenos, como a melhoria na hidrologia e a queda na demanda, mascarem os reais problemas do setor elétrico. É importante lembrar que essa situação se dá em um atípico ano de pandemia. Imagina em ano de crescimento econômico. É preciso estar atento para o Brasil não repetir os mesmos erros que estão promovendo apagões agora na Califórnia. Nesses novos tempos, vamos corrigir antigos problemas.

(Fonte Estadão)

Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).