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O “mito da caverna” faz parte da obra “A República”, do filósofo grego Platão.

Nesta metáfora, Platão nos convida a imaginar uma caverna onde nasceram, cresceram e vivem seres humanos. Durante toda a vida, permaneceram no interior da caverna, nunca saíram e vivem acorrentados com as costas voltadas para a sua entrada. Fora da caverna, existe a realidade do mundo exterior. Os homens desse mundo mantêm uma fogueira e transportam ao redor da luz do fogo imagens de objetos e seres, que têm as suas sombras projetadas na parede da caverna, onde os prisioneiros ficam observando. Os seres humanos acorrentados veem as sombras e pensam que elas são a realidade.

Platão pede que imaginemos a fuga de um dos seres humanos acorrentados na caverna para o mundo exterior. O fugitivo descobre que as sombras que antes via vinham de homens como ele e descobre a beleza da natureza que existe do lado de fora da caverna.

Platão discursa então sobre o que esse homem fará com essa nova realidade e o que poderá acontecer se ele resolver voltar para a caverna, contando aos outros que a vida que estão vivendo é, na realidade, um engano.

Platão nos remete a um dilema vivido por muitas sociedades. O aprisionamento num mundo atrasado de ilusões, preso em crenças e mitos errôneos, preconceitos, ideias falsas, assim como os homens na caverna.

No Brasil, temos o hábito de criar mitos e, com isso, viver acorrentados na caverna sem querer ter acesso à luz da verdade. Criamos em profusão falsas realidades: políticas, religiosas, artísticas e mitos econômicos que, ao longo da história, vêm causando enormes prejuízos à sociedade brasileira.

No setor de energia convivemos com uma grande quantidade de mitos e ilusões que se transformaram em verdade e têm custado muito caro para a sociedade.

O mito mais antigo é o do “Petróleo é nosso”. Como sabemos, principalmente, após a Lava-Jato, o petróleo nunca foi nosso, e sim de grupos políticos, sindicatos, corporações e privilegiados que só sobrevivem à sombra do governo e das empresas estatais. Daí a importância das privatizações. Ainda na área do petróleo, outro mito é achar que no Brasil a gasolina e o diesel deveriam ser baratos pelo fato de sermos produtores de petróleo. Grande ilusão! Os derivados de petróleo são commodities; portanto, têm seus preços guiados pelo mercado internacional. Na realidade, os elevados preços no Brasil são fruto da alta carga tributária, e não culpa das refinarias, distribuidoras e postos de revenda.

Um mito que tem sido alardeado recentemente é sobre o papel das distribuidoras, tanto de energia elétrica e gás natural quanto as de combustíveis líquidos. A tese que sustenta o mito é a de que as distribuidoras são apenas atravessadoras e só servem para aumentar o preço ao consumidor. No caso das distribuidoras de energia elétrica e de gás natural, é preciso entender que essas empresas atuam num segmento onde existe o chamado monopólio natural e que têm seus investimentos remunerados através de tarifas para movimentar elétrons e moléculas de gás, não vendendo energia elétrica e gás natural. Como atuam em segmento de monopólio natural, as tarifas são fixadas por agências reguladoras. Sem os investimentos em redes de distribuição, a energia elétrica e o gás chegariam mais caros ao consumidor, ou não estariam disponíveis para menores consumidores, como os residenciais.

No caso das distribuidoras de combustíveis, elas são responsáveis pela logística, garantia de suprimento e a qualidade do produto entregue ao consumidor. Recentemente, vem se discutindo a ilusão de que venda direta de etanol das usinas aos postos reduziria o preço para o consumidor. Além de não reduzir o preço, a venda direta de etanol pode trazer graves consequências, como piora na qualidade, desabastecimento e aumento de sonegação.

É preciso que o novo governo desacorrente e ajude a sociedade brasileira a sair do mundo atrasado de ilusões, presa em crenças e mitos. Não podemos perder essa oportunidade de, definitivamente, sairmos da caverna.

Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura