Por que o Brasil não se livra do risco do apagão?




Chuvas abaixo da média histórica trazem novamente a ameaça do racionamento de energia. Segurança no sistema depende de uma matriz mais diversificada e o uso mais racional da água
Como se não faltassem problemas, o País, mais uma vez, terá pela frente os riscos de uma crise hídrica e um possível apagão no fornecimento de energia. Os efeitos já começam a ser sentidos: a conta ficará mais cara para os consumidores e poderá haver restrições para o uso da água na agricultura e na indústria.
A situação só não é apenas mais dramática porque a economia cresceu pouco nos últimos meses. Caso a retomada ganhe velocidade, como se espera, haverá uma elevação mais acentuada na demanda por eletricidade. Sem uma melhora das chuvas, cresce o risco de um racionamento, embora, dizem os especialistas, seja ainda cedo para avaliar com precisão.
É fato que choveu pouco nos últimos meses. O Brasil passa pela pior seca desde 1930, quando teve início a série estatística. Mas a falta de chuvas não pode ser responsabilizada pelo histórico de equívocos no planejamento e na administração do setor de energia.
“No curto prazo, é uma situação que preocupa, mas é cedo para falar em apagão energético”, afirma o consultor Bruno Pascon, sócio-diretor da CBIE Advisory, em entrevista ao Virtù. Haverá uma maior probabilidade de quedas no fornecimento, porém, ainda que não ocorra um racionamento formal.

Para se afastar definitivamente das ameaças recorrentes de apagão, o Brasil terá que acelerar os investimentos na diversificação da matriz energética. Além disso, terá que valorizar adequadamente a água, cobrando um preço adequado para o seu uso e impedindo que ela seja usada de maneira pouco produtiva e predatória.
“A raiz do problema, que se repete há 15 anos, é que a água não tem sido devidamente valorada e por isso é mal utilizada”, resumiu o engenheiro Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em um artigo para o jornal Valor Econômico. Como explica Santana, se os modelos matemáticos calculassem de maneira mais precisa a escassez, a energia hidroelétrica deveria ser mais cara, forçando a diversificação de fontes.
No ano passado, por exemplo, os reservatórios já estavam em níveis baixos nessa mesma época do ano. Ainda assim, as hidrelétricas continuaram operando normalmente. Tirou-se mais água dos reservatórios do que seria recomendável. Resultado: o período chuvoso frustrou, e o sistema pode entrar em colapso.
Um problema adicional é que a água não é usada apenas para gerar eletricidade. Os rios e reservatórios abastecem o consumo urbano, as indústrias e a agricultura. O uso apenas cresce. Ao mesmo tempo, há indícios de que as mudanças climáticas e a redução da cobertura vegetal tiveram impacto no volume de chuvas, que, há pelo menos uma década, tem ficado abaixo dos níveis históricos.
O preço da água, portanto, precisa refletir a probabilidade de escassez. Apenas assim haverá incentivos para o combate ao desperdício e uma utilização mais produtiva. No caso específico da eletricidade, o fator preço será importante também para tornar mais atraente os investimentos em fontes alternativas.
A situação dos reservatórios
O período de chuvas chegou ao fim e o nível dos reservatórios está em apenas 34% de sua capacidade total, uma situação similar a de 2015. A situação é particularmente ruim na Bacia do Paraná, responsável por mais da metade do armazenamento de energia hidroelétrica: de acordo com projeções do Operador Nacional do Sistema (ONS), há grande probabilidade de os reservatórios chegarem a novembro em um patamar extremamente baixo, abaixo de 10%, e, portanto, com elevado risco de colapso.
Ao longo da última década, o volume de chuvas tem ficado constantemente abaixo das médias históricas. A precipitação tem sido insuficiente para repor as perdas nos níveis das represas. O sistema energético tem funcionado como um carro que nunca enche completamente o tanque e roda perigosamente perto da reserva. Ao contrário da crise de 2001, que levou ao racionamento, o País conta hoje com uma matriz mais diversificada, com maior presença de fontes renováveis, além de usinas térmicas emergenciais.
Segundo o ONS, a precipitação observada em algumas das principais bacias hidrográficas tem se mostrado significativamente abaixo da média histórica. Na Bacia do Paraná, o armazenamento corresponde a 28% de sua capacidade máxima, o 2ª pior desde em mais de vinte anos, melhor apenas do que no fatídico ano de 2001.
A atuação do governo, até aqui, tem sido agir de maneira emergencial. Haverá uma aumento da importação de energia da Argentina e do Uruguai, serão ligadas as usinas térmicas mais caras e mais poluentes, e a indústria será chamada a racionalizar o uso de eletricidade, reduzindo o consumo nos horários de pico. A bandeira tarifária ficará em vermelho no nível 2, o mais elevado, o que significa conta mais cara com o objetivo de desincentivar o desperdício. Com isso, espera-se que o País escape de um racionamento similar ao de 2001. Mas o sistema, operando no limite, ficará mais vulnerável e propenso a blecautes.
Pensando o futuro
É difícil de entender como um País rico em todas as fontes energéticas possa viver constantemente sobre o fio da navalha. O Brasil precisa de um sistema elétrico mais seguro e confiável, como propõe o Projeto de Lei 414/21, um dos projetos considerados prioritários pelo movimento Unidos pelo Brasil. Ao incentivar a competição, o PL procura inverter a atual lógica de o País ter uma oferta de energia barata, mas uma conta final para os consumidores. O aumento nos investimentos reduzirá também a vulnerabilidade no sistema.
As hidrelétricas terão que dar espaço a novas fontes. É positivo o aumento na produção solar e eólica, mas trata-se de fontes intermitentes, que não geram energia 24 horas por dia, e, por isso, devem ser auxiliares. Usinas emergenciais a óleo são caras e altamente poluentes. A melhor alternativa, além da manutenção dos investimentos em fontes renováveis, é acelerar a construção de térmicas a gás. O novo marco regulatório do gás natural, que acaba de ser sancionado, deverá contribuir para isso.
O fundamental, contudo, será entender que a água não é um bem gratuito nem infinito.

BRUNO PASCON
Bacharel em Administração de Empresas pela EAESP-FGV (2005), iniciou sua carreira na Caixa Econômica Federal-CEF (2004). Foi analista senior de relações com investidores da AES Eletropaulo e AES Tietê (2005-2007). De 2007 a 2019 atuou como analista responsável pela cobertura dos setores elétrico e de óleo & gás para a América Latina em diversos bancos de investimento (Citigroup, Barclays Capital e Goldman Sachs) e co-fundador da CBIE Advisory.