A energia nuclear voltou a ser protagonista

Inserção de reatores no planejamento energético brasileiro seria ótima solução para fornecer energia nos sistemas isolados

Usina de energia nuclear em Angra dos Reis (RJ).
A energia nuclear está voltando a ter protagonismo no cenário energético global. Depois de décadas de um certo esquecimento, por causa da sua demonização infantil por parte de movimentos ambientalistas, a nuclear vem recuperando espaço nas agendas de política energética e nos planos de investimento de diversos países.
O ponto de inflexão ocorreu durante a crise energética de 2022, quando a volatilidade nos preços dos combustíveis fósseis expôs a vulnerabilidade do mundo ao custo da energia e trouxe para o centro do debate a questão da segurança energética.
Sob a perspectiva de uma emergência climática iminente e da aceleração do consumo de energia elétrica no contexto da 4ª revolução industrial, os reatores nucleares se apresentam como uma das melhores alternativas para atender o tripé sustentabilidade, segurança energética e acessibilidade a energia por parte das camadas de mais baixa renda. Além do mais, a energia nuclear atende tanto a descarbonização da economia, quanto a segurança no fornecimento de energia.
A produção de rejeitos radioativos, um dos principais problemas ambientais apontado para as usinas nucleares, já tem soluções viáveis, enquanto a questão da segurança, uma preocupação comum no imaginário popular, na verdade não é nada mais que um espantalho. Comparada a outras fontes, dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) mostram que a fonte nuclear tem o menor volume de emissões em seu ciclo de vida e tem o 2º menor índice de acidentes.
Ou seja, a fonte não só é limpa, como também já apresenta um dos maiores índices de segurança operacional. Desmistificando assim a velha ideia de que a construção de uma usina nuclear traz a possibilidade de vazamentos radioativos e desastres nucleares às comunidades vizinhas.
Essas vantagens já foram identificadas e um marco significativo foi a Declaração para Triplicar a Energia Nuclear, lançada durante a COP28 em 2023 e endossada por mais de 20 países. Na COP29, esse número cresceu para 31 nações, incluindo potências energéticas como Estados Unidos, França, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos e Japão. O compromisso estabelece a meta ambiciosa de triplicar a capacidade nuclear global até 2050, reconhecendo seu papel fundamental para alcançar emissões líquidas zero.
O setor privado tem respondido a esse movimento de forma entusiástica. Durante a CERAWeek 2025, uma coalizão inédita de gigantes tecnológicos como Google, Amazon e Meta juntou-se a empresas tradicionais como Siemens para endossar publicamente a expansão nuclear. Até março de 2025, a declaração já contava com o apoio de 14 grandes instituições financeiras e 140 empresas do setor nuclear, além dos 31 países mencionados anteriormente.
Outro exemplo de movimentação da iniciativa privada se revelou recentemente na Dinamarca. Um grupo de especialistas financeiros do país criou o 92 Capital, um fundo, de cerca de 350 milhões de euros, dedicado exclusivamente à expansão da indústria nuclear e sua cadeia de produção, apostando na conexão de companhias do segmento com novos investidores.
Nesse contexto, vale destacar, também, o protagonismo assumido pela China nos últimos anos. Em 2024, o país asiático bateu seu recorde de investimentos na construção de unidades nucleares com US$ 20,2 bilhões, valor US$ 7,2 bilhões superior ao montante do ano anterior.
Segundo o relatório “Desenvolvimento da Energia Nuclear da China 2025”, elaborado pela Cnea (Associação de Energia Nuclear da China, na sigla em inglês), para 2025, se estima ter capacidade de construir até 40 novas usinas nucleares simultaneamente. Com isso, a capacidade instalada chinesa vai continuar permanecendo como a maior do mundo há 18 anos consecutivos.
Já olhando para além dos reatores tradicionais, existe um esforço coletivo para alcançar o que pode ser o próximo ciclo da indústria nuclear. Entre os desenvolvimentos mais promissores estão os pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês).
A nova geração de reatores nucleares modulares, com capacidades tipicamente de 50 a 300 MW, oferece vantagens significativas em termos de segurança, custos e flexibilidade de implantação. Projetos pioneiros já estão em andamento em países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, com previsão de entrar em operação ainda nesta década. Os SMRs são particularmente adequados para substituir usinas a carvão existentes, fornecer energia para locais remotos ou atender unidades de alto consumo, como data centers.
No Brasil, o debate sobre a expansão nuclear permanece incipiente e muito distante do que vem ocorrendo no mundo. Com uma das maiores reservas mundiais de urânio e com o domínio de todo o processo de enriquecimento, o país está perdendo a oportunidade de participar desse movimento global da volta da energia nuclear como solução para atender o crescimento da eletrificação no mundo. A inserção de SMRs no planejamento energético brasileiro seria uma ótima solução para fornecer energia nos sistemas isolados.
À medida que os compromissos climáticos e os de segurança energética se tornam mais ambiciosos, a energia nuclear terá um papel de destaque no mix energético do futuro. A questão que se coloca agora não é mais “se” a nuclear terá protagonismo como fonte de energia no futuro, mas “como” e “em que escala” ela adicionará energia na matriz energética mundial.