Direitos exigem deveres, e com as agências reguladoras não pode ser diferente

Momento atual abre questionamento sobre autonomia e independência das agências reguladoras
Nos anos 90, durante o governo FHC, tive o privilégio de participar de forma ativa das discussões sobre a criação das agências reguladoras, em particular da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), inclusive tendo trabalhado na ANP.
Na época, estávamos abrindo tanto o setor elétrico como o de petróleo aos agentes privados. Era um movimento que havia se iniciado no Reino Unido, no famoso governo Thatcher, com as privatizações das empresas elétricas e as de petróleo. Essa mudança transformacional trouxe a necessidade de um novo posicionamento do papel do Estado na economia. O Estado deixava o papel de investidor e empreendedor e passaria a ser um fiscalizador e regulador.
Neste novo cenário surgem as agências reguladoras, que teriam como função principal ser as guardiãs dos contratos de concessão, de fiscalizar a qualidade e a segurança dos serviços prestados aos consumidores, evitando a entrada de free riders no mercado. Ser guardiã significava assegurar se os direitos e deveres das empresas e dos consumidores estavam sendo respeitados. Para tanto, foram dadas às agências autonomia e independência em relação aos Poderes Executivo e Legislativo.
É dentro desse contexto e dessa lógica que, também no Brasil, foram criadas as agências reguladoras, com a máxima de serem órgãos de Estado, e não de governos de plantão. Com isso, estariam protegidas de serem capturadas pelos agentes privados, pelo governo de plantão e pelo Congresso Nacional. De lá para cá, muitas coisas mudaram, e hoje as agências passam por um momento difícil tanto do ponto de vista de contingenciamento de orçamento quanto por estarem sendo questionadas se continuam cumprindo as funções para as quais foram criadas. Isso tem levado a um questionamento se a autonomia e a independência das agências não deveriam ser revistas.
Sou da opinião de que a autonomia e a independência das agências continuam sendo importantes para o seu bom funcionamento. Entretanto, há que refletir sobre alguns pontos. O primeiro é que as indicações para as agências teriam passado a ser feitas mais pelo critério político do que pela meritocracia.
O segundo é que as agências começaram a confundir o seu papel com os Procons, e com isso teriam perdido a função de promover equilíbrio entre as demandas dos investidores e dos consumidores. Um dos papéis principais das agências é colocar o investidor ao lado do consumidor. Nunca colocando um contra o outro.
Terceiro, as decisões das agências estariam trazendo imprevisibilidade regulatória. O setor de energia, bem como todo o de infraestrutura, exige previsibilidade. É bom sempre ter em mente que o volume inicial de recursos em investimentos em infraestrutura e em energia é muito alto e os retornos são de longo prazo. Portanto, processos regulatórios que saiam dos ritos normais geram dúvidas sobre o compromisso com a segurança jurídica e regulatória.
Por fim, é preciso rever a política de home office das agências. Direitos exigem deveres, e com as agências não pode ser diferente.