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“Saber ouvir é possuir além do próprio saber.”

A COP30 começou com um desafio complicado e uma ambição praticamente impossível. O mundo queria de Belém o mapa do caminho para abandonar os combustíveis fósseis – como se fosse simples reescrever, em poucos anos, a base de um sistema energético que levou mais de um século para ser construído. Desde a COP28, em Dubai, e depois por Baku, na COP29, a expectativa era de um salto triplo no avanço da agenda. Mas a verdade é que esse debate sofre desde o seu nascimento ancorado a um dilema: exigir metas que o mundo ainda não sabe como cumprir.

A síntese da COP30 é resultado de uma contradição na própria lógica das conferências. O objetivo é um planeta neutro em carbono até 2050, com crescimento econômico, segurança energética e inclusão social. Tudo ao mesmo tempo. Nenhum país, nem mesmo os mais ricos, conseguiu conciliar essas três promessas e resolver esse teorema do impossível A discussão virou um exercício de idealismo.

Belém mostrou, mais uma vez, o abismo entre o discurso e a realidade. O texto final evitou o termo “phase-out” de combustíveis fósseis e adotou a expressão “transitioning away”, suficientemente vaga para agradar a todos e comprometer ninguém. É uma escolha semântica que traduz a hesitação política do nosso tempo: reconhecer a urgência climática sem enfrentar a realidade e, principalmente, o custo de mudá-la.

Conferência repetiu metas vagas, evitou confrontar custos reais da transição e ignorou os atores que mais emitem.Raimundo Pacco/COP30

Nesse sentido, os números não mentem. Segundo a Agência Internacional de Energia, o setor de petróleo e gás ainda responde por 5,1 gigatoneladas de CO equivalente em 2022, cerca de 13% das emissões globais, e metade da produção mundial não está coberta por metas compatíveis com o Acordo de Paris. Não se trata apenas de falta de vontade, mas de física e economia. Mudar a matriz energética global exige capital, tecnologia e tempo – recursos que nem todos possuem e os que possuem não querem renunciar aos seus recursos.

Com a dificuldade de equacionar os interesses a COP continua sendo conduzida por uma lógica ideológica, como se negar a complexidade tornasse a transição mais rápida. O encontro que deveria unir se transformou em palco de certezas absolutas, onde o pragmatismo é visto quase como heresia. Empresas e países que ainda dependem dos fósseis são excluídos das discussões, justamente aqueles que mais precisariam estar à mesa. Uma transição feita sem os emissores é uma contradição em si.

Ainda assim, o fato é que olhando para o resultado da COP30, houve avanços parciais. Os recursos para adaptação até 2035 foram triplicados, e novos indicadores foram aprovados para medir o progresso climático. Belém revelou o limite das boas intenções. O consenso sobre o clima é global; o ritmo da mudança, não. A transição energética é tão desigual quanto o próprio planeta – e tratá-la como dogma é o primeiro erro.

A COP30 poderia ter sido o encontro do realismo, o momento em que o mundo assumisse que a transição será longa, custosa e inevitavelmente imperfeita. Preferiu ser mais uma conferência de promessas. O tempo, porém, não negocia: ou as metas se tornam factíveis, ou continuarão sendo apenas discursos bem-intencionados. O clima não precisa de novas crenças. Precisa de coragem para lidar com a realidade.

Publicado originalmente pelo Congresso em Foco.