Sem a nova Lei do Gás, perda é de US$ 60 bilhões por ano
PL pode ser votado esta semana no Senado. ANP abre consulta pública hoje para regulamentar critérios de autonomia dos transportadores do combustível. Especialistas afirmam que texto ainda não garante a interiorização dos gasodutos
Por Fernanda Strickland, estagiária sob supervisão de Simone Kafruni para o Correio Braziliense.
Aprovado na Câmara por ampla maioria, o projeto de lei (PL) nº 6.407/2013, da nova Lei do Gás, aguarda apreciação do Senado, o que pode ocorrer esta semana, segundo o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Enquanto não entra em vigor, as perdas para o país são estimadas em US$ 60 bilhões por ano. Hoje, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) abre consulta pública, por 45 dias, sobre a minuta de resolução que regulamentará os critérios de independência e autonomia dos transportadores de gás natural. Para especialistas, ainda são necessários ajustes no PL para garantir investimentos em gasodutos e levar o combustível ao interior do país.
“A expectativa é de que o projeto seja votado na semana que vem e, a do governo, de que seja aprovado, porque passou por unanimidade na comissão e, na Câmara, foi aprovado por 351 votos em plena pandemia, sem polêmica”, disse o ministro, na semana passada.
O novo marco tem o desafio de interiorizar o gás. Brasília é uma das poucas capitais federais dos países do G-20 que não dispõe de uma rede. O objetivo do PL é desburocratizar projetos de novos gasodutos, definindo o regime de autorização, mais simples que o de concessão, para o transporte de gás natural. Karine Fragoso, gerente de Petróleo, Gás e Naval da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), entende que a lei vai estimular a competição entre agentes do mesmo segmento.
“Como resultado final, teremos preços mais competitivos no mercado interno ”, aposta.
Para ela, o monopólio da Petrobras no setor causa prejuízos ao Brasil. “A preços de hoje, com o volume colocado no mercado nacional, o Brasil perde diariamente a oportunidade de reduzir algo em torno de US$ 170 milhões em custos associados ao consumo do gás. Se esse dado for analisado, nós chegamos ao valor anual de US$ 60 bilhões. Isso é o que o Brasil vem perdendo ao não avançar na aprovação da lei.”
O especialista em Petróleo, Gás e Naval Fernando Montera ressalta que a lei está há sete anos em discussão para uma revisão do marco de gás no país. “Quanto mais se espera, mais tempo se perde. Isso causa insegurança em relação aos investimentos que podem ser destravados”, relata.
Para Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o gás natural é a “bola da vez” nas matrizes energéticas mundiais, devido à caminhada para eletrificação.
“As fontes primárias que vão gerar energia elétrica serão principalmente as fontes limpas. O gás tem o papel de transição, porque, apesar de ser uma energia fóssil, é do tipo mais limpo”, diz.
O especialista destaca que a pandemia acelerou o processo de transição.
“As fontes sujas serão menos demandadas. Nesse contexto, o gás passa a ter uma importância maior.”
Gargalos de oferta e demanda sem solução
Apesar de ser consenso entre agentes e especialistas de que a abertura do mercado de gás é necessária para o desenvolvimento do setor, há quem aponte que o PL 6.407/2013 não resolve gargalos de oferta e demanda. Adriano Pires, do CBIE, diz que a proposta beneficia somente estados localizados no litoral brasileiro. Para ele, as rotas de escoamento e o processamento de tratamento demandam um tempo considerável para serem concluídos. Assim, é importante pensar em formas de levar o produto para o interior do país.
Na opinião do especialista, a melhor forma de concretizar a mudança é criar uma âncora firme de consumo e prever a contratação de termelétricas na base, ou seja, de uso contínuo.
“As térmicas na base, pulverizadas em locais específicos no interior, irão fomentar os projetos de gasodutos e contribuir para que esse gás chegue a mais municípios e até mesmo a cidades tão importantes da região central do país, como Brasília (DF), Goiânia (GO) e Uberlândia (MG). Outros projetos poderão ter o mesmo efeito em outras regiões”, explica Pires.
De acordo com o diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Efrain Cruz, a integração entre os setores do gás e energia melhoraria o ambiente de negócios, porque a iniciativa poderia fomentar o aproveitamento dos recursos energéticos do pré-sal, com ampliação da infraestrutura existente, maior liquidez nas trocas comerciais e a competitividade com redução de preços aos consumidores. Mas o equacionamento dos gargalos da oferta e da demanda ainda é necessário. “O setor elétrico pode contribuir com o balanceamento desta equação que impõe-se aos formuladores de políticas públicas e às instituições competentes ao desenvolvimento de condições adequadas para os investimentos necessários”, alega.
Leilões regionais
Cruz ressalta que uma das alternativas é o estudo e o desenvolvimento do ambiente de planejamento no setor elétrico. Com isso, é possível associar a interiorização do gás ao consumo de energia, por meio dos leilões regionais, o que permitiria atender regiões com grande consumo de energia elétrica e ampliar o consumo de gás natural. “Vejo essa alternativa como promissora, pois não criaremos custos ao setor elétrico e substituiremos custos com transmissão. Com isso, teríamos potencial para reduzir a tarifa do setor elétrico”, afirma.
O diretor da Aneel considera essencial que o Congresso avance nas discussões sobre o novo marco legal do setor. A integração, segundo sua avaliação, é importante, sendo opção para discussões do mercado natural e elétrico. “É importante frisar que nossos esforços devem focar na busca de mais eficiência no sistema, incentivo e segurança às energias renováveis e principalmente o melhor aproveitamento do gás natural do pré-sal”, acrescenta.
O presidente da comissão de energia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Gustavo de Marchi, afirma que o maior benefício do PL é a criação de um marco legal estável que permitirá um ambiente adequado para atração de investimentos privados para o setor. “No entanto, o texto do PL demanda um aprimoramento para que possamos atingir integralmente esse objetivo”, esclarece.
Para Marchi, a redação de alguns dispositivos merece atenção especial, já que a delimitação de competência dos agentes provoca incerteza e aumenta a judicialização do setor. “A tramitação do PL deve amadurecer o texto para a lei alcançar todos os benefícios do gás natural”, sustenta.
Carlos Cavalcanti, diretor de Infraestrutura e Energia da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), acredita que a lei não beneficiará a indústria. “Dez empresas poderão entrar no mercado, mas representam 25% dos gás produzido, e 75% continuarão na mão da Petrobras”, diz. A Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) afirma ser necessária a alteração do PL. Em nota, diz esperar que “o Senado encontre soluções para que o PL não traga insegurança jurídica e sim atratividade ao investimento do setor privado”.