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Adriano Pires para o Estadão.

(Foto: Pop Paul-Catalin/Shutterstock)

Muito tem se falado e escrito sobre o grande aumento da oferta de gás natural, tanto no mercado interno como no internacional. No mercado internacional, a explicação está nos avanços tecnológicos, como o processo de liquefação, e no shale gas, do mercado americano. No plano nacional, são as reservas do Pré-sal, da Amazônia, da bacia do Parnaíba e, com certeza, o potencial de reservas que existe em terra, e que rapidamente irão se transformar em produção, devido à venda desses campos pela Petrobras aos investidores privados. Entretanto, as discussões e debates sobre a demanda, investimentos e o preço do gás natural são confusas e pobres de conteúdo. Começam por confundir botijão de gás com gás natural encanado e terminam por não entenderem o funcionamento das chamadas indústrias de rede. Incongruência que leva ao erro de achar que os preços do gás natural cairão sem que ocorram investimentos em infraestrutura, capazes de permitir o crescimento da demanda em escala.

Vamos começar explicando as diferenças entre botijão de gás e gás natural encanado. O gás dentro do botijão está no estado líquido, e é conhecido como Gás Liquefeito de Petróleo (GLP). Ele pode ser um derivado do petróleo, como a gasolina, ou do gás natural. Portanto, a primeira grande diferença é que o GLP é uma energia secundária, enquanto o gás natural é uma energia primária, como o petróleo. O GLP é uma commodity com o preço dado pelo mercado internacional, assim como a gasolina e o diesel. Sendo assim, o aumento da oferta nacional de GLP não vai baratear o preço do produto, já que o preço é dado pelo mercado internacional. Afirmar que o aumento da produção de GLP nacional vai tornar o botijão mais barato é uma falácia tão grande quanto afirmar que um país, grande produtor de petróleo, tem de ter gasolina barata. Para alcançar esse objetivo, precisaríamos de uma intervenção nos preços, prática comum em países como a Venezuela. Se a ideia é que as camadas de baixa renda paguem mais barato pelo botijão, o correto seria criar um vale-gás, não nos moldes do governo FHC, mas sim semelhante ao atual vale-transporte. Quem receberia esse benefício? As famílias que estão cadastradas na tarifa social de energia elétrica, que hoje são 8,7 milhões, ou seja, isso representaria 35 milhões de pessoas.

O gás é uma indústria de rede e, como tal, precisa de escala para virar protagonista. Daí a necessidade da construção de gasodutos que levem o gás até os grandes consumidores, como é o caso das térmicas inflexíveis. Sem escala não teremos a demanda suficiente para que ocorra uma redução nos preços. Outros modais de transporte, como o caminhão, são bem vindos, mas não possuem a escala necessária para tornar o gás protagonista, nem tão pouco reduzir os preços. Para que haja concorrência que torne os preços competitivos é preciso, em primeiro lugar, que existam muitos produtores e importadores, e que esses encontrem mercado.

Hoje, a demanda de gás no Brasil é muito pequena e um dos motivos principais sempre foi a presença de um único fornecedor e a, consequente, falta de infraestrutura. O problema é que os produtores, que também são importadores, querem arbitrar entre a produção nacional de gás associado e o GNL e, com isso, regular a oferta nacional de gás. Os atuais grandes consumidores de gás são contra a universalização do uso do gás. Isso porque não querem que a demanda aumente, de forma que todo o excesso de oferta se transforme em preços mais baixos. E, como hoje se tem sobra de GNL no mundo, os donos dos barcos não sabem o que fazer e enxergam no Brasil o mercado ideal. Essa é a realidade do texto da Lei do Gás aprovado na Câmara.

É sempre importante termos muito cuidado com as mensagens, conceitos e definições para não confundir a sociedade com argumentos errados e promessas, como a de que haverá choque de preços no gás natural e no botijão, além de bilhões em investimentos e milhões de empregos. A sociedade brasileira está cansada de ser enganada com falsas promessas, ao longo dos últimos anos. Esse tipo de postura só gera perdedores, pois afasta o investidor, penaliza o consumidor e aumenta o descrédito com a política e com os políticos.

(Fonte Estadão)

Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).