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O julgamento não apenas confirmou a constitucionalidade do RenovaBio, como reafirmou sua natureza de política de Estado

Durante os debates e polêmicas da COP30, a atividade do setor de energia nacional continuou ininterrupta e merece atenção. A discussão em torno dos biocombustíveis e sua expansão na matriz nacional ganhou novo impulso com a decisão unânime do STF (Supremo Tribunal Federal), em 14 de novembro, que rejeitou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 7596 e 7617) contra a Lei 13.576 de 2017, que instituiu o RenovaBio.

O julgamento não só confirmou a constitucionalidade do programa, como reafirmou sua natureza de política de Estado, um elemento decisivo para garantir previsibilidade regulatória e estabilidade de longo prazo ao setor de biocombustíveis.

O voto do relator, ministro Nunes Marques, afastou todas as alegações apresentadas pelos partidos autores das ações. Entre elas, a de que o programa violaria o princípio da isonomia ao impor às distribuidoras o cumprimento das metas de aquisição de CBIOs (Créditos de Descarbonização).

Os ministros, porém, reconheceram que o custo da política recai, de fato, sobre os consumidores finais dos combustíveis fósseis, um mal necessário para impulsionar o processo de descarbonização do setor. Também não prosperou a tese de que o RenovaBio teria nascido de articulação privada, com objetivo de beneficiar o setor sucroenergético. A ausência de provas foi suficiente para encerrar a discussão.

Ao preservar o RenovaBio, o STF protege um dos elementos centrais da estratégia brasileira de descarbonização. Desde sua criação, o programa tem sido um vetor de inovação e de desenvolvimento sustentável, combinando metas anuais de descarbonização com incentivos à produção e ao consumo de biocombustíveis.

Os princípios de eficiência energética, redução de emissões e padronização de metodologias, que formam a base do RenovaBio, tornaram-se referência internacional e contribuíram para consolidar o papel do Brasil como potência em bioenergia.

A decisão chega em um momento crucial. A transição energética global exige volumes massivos de investimento, e, no Brasil, o governo estima que, apenas na próxima década, serão necessários cerca de R$ 3,2 trilhões para financiar infraestrutura e tecnologias de baixo carbono.

Segundo avaliações recentes, 78% desse montante será direcionado ao setor de petróleo e gás, 19% ao setor elétrico e 3% aos biocombustíveis. Embora proporcionalmente menor, essa fatia representa uma base estratégica fundamental para o país, considerando que a bioenergia é um dos pilares da matriz brasileira.

O desafio, no entanto, vai além da necessidade de capital. O país convive com um custo de financiamento relativamente alto, o que pode limitar investimentos estruturantes. Programas públicos, encabeçados pelo BNDES, foram essenciais para o avanço das renováveis na última década e seguem relevantes.

Ainda assim, para atingir o volume desejado de investimentos, o Brasil precisa ampliar mecanismos de financiamento verde, aperfeiçoar o marco regulatório e mobilizar mais capital privado. Nesse contexto, a estruturação do mercado regulado de carbono, outra iniciativa em curso, pode direcionar recursos para áreas de baixo carbono e criar receitas para políticas sociais e energéticas.

O RenovaBio tem papel complementar e decisivo nesse cenário. Ele não só impulsiona a produção de etanol, biodiesel e biometano, como cria mecanismos claros de avaliação de impactos ambientais. A análise contínua do uso da terra e mudanças indiretas no uso do solo é fundamental para evitar retrocessos e garantir a sustentabilidade da cadeia de biocombustíveis.

O programa também abre caminho para o desenvolvimento de biocombustíveis avançados, como o SAF (combustível sustentável de aviação) e o biometano, apoiados tanto pela regulamentação nacional quanto pelo novo marco legislativo trazido pela Lei do Combustível do Futuro.

O Brasil também está em posição de ampliar sua liderança mundial no setor. A expansão da frota híbrida flex e o crescimento potencial dos veículos elétricos oferecem uma oportunidade de integração entre eletrificação e biocombustíveis, reduzindo emissões no transporte, setor que está atrás só das mudanças do uso da terra e da agropecuária na contribuição de emissões de CO₂ do país.

Além disso, políticas de eficiência energética podem reduzir custos e otimizar o uso de energia em indústrias, edifícios e no transporte de carga, historicamente dependente do diesel fóssil.

Em conjunto, esses elementos configuram uma transição energética que além da eletrificação, depende de um leque diversificado de tecnologias, no qual os biocombustíveis, uma vantagem comparativa do país, têm papel central.

A transição brasileira não será linear e exigirá coordenação entre governo, setor privado e sociedade.

Publicado originalmente pelo Poder360.