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Deve-se tomar cuidados regulatórios e ter planejamento na abertura do mercado no Brasil para que não se transforme num problema para as distribuidoras e para os consumidores cativos

A abertura do mercado de energia merece uma grande discussão agora na MP n.º 1304, que deverá herdar esse assunto da MP n.º 1300. Precisamos estar atentos se a MP n.º 1304 vai se debruçar com o necessário aprofundamento sobre os conceitos de encargo de custos de sobrecontratação e exposição involuntária das distribuidoras, o que na literatura internacional chamamos de legacy costs ou energy security costs.

Se olharmos experiências internacionais, como os casos dos Estados UnidosReino Unido e Espanha, vemos uma preocupação com os custos legados para consumidores que permanecem no mercado cativo. Isso é de extrema relevância, bem como a sustentabilidade do mercado de varejo de energia. Daí a importância de se definir regras claras que apontem a responsabilidade e as condições de atuação do supridor de última instância.

Após 15 a 20 anos de processos de abertura de mercado em tais países, registraram-se baixos índices de portabilidade de conta de luz. No caso do Reino Unido, somente 18% do universo de consumidores cativos trocou seu fornecedor de eletricidade. Na maior parte das vezes somente para aproveitar descontos sazonais, enquanto a maioria dos consumidores apenas trocou de nível tarifário dentro da mesma distribuidora.

Nos três casos analisados, as migrações foram basicamente circunscritas a consumidores de alta tensão comerciais e industriais, com baixo engajamento de consumidores residenciais. No Reino Unido, mais de 50% dos consumidores decidiram permanecer no mercado regulado, e, devido a subsídios cruzados entre consumidores cativos (de menor poder aquisitivo) a consumidores que migraram ao varejo de maior poder aquisitivo, houve exacerbada concentração de custos sociais e ambientais recaindo sobre os consumidores cativos.

Isso levou o Reino Unido a intervir no mercado, criando um preço-teto de energia. No país, passados 20 anos da abertura do mercado, o universo das seis principais empresas de distribuição ainda responde por 75% do mercado ante 100% em 2004.

Na Espanha, as distribuidoras permaneceram com parcela relevante de mercado quando do processo de abertura. Com o seu conhecimento do padrão de consumo e histórico dos clientes, foi possível desenhar estratégias de fidelização, criando barreiras de entrada significativas para comercializadores. Já nos Estados Unidos, somente 13 Estados e o distrito de Columbia – dos 50 Estados norte-americanos – ainda adotam a abertura de mercado até a baixa tensão, com algumas experiências positivas, como o exemplo do Texas e negativas, como o caso da Califórnia.

Portanto, a abertura do mercado para consumidores cativos no Brasil não será a bala de prata que vai permitir uma redução de tarifas por meio da portabilidade da conta, mas, sim, um movimento em que se deve tomar cuidados regulatórios e ter planejamento para que não se transforme num problema para as distribuidoras, para os consumidores cativos, e, mais uma vez, para que a dona Maria e o seu José paguem a conta.

Publicado originalmente pelo Estadão.