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SÃO PAULO (Reuters) – Esforços do governo e da reguladora Aneel para aliviar reajustes previstos para as tarifas de energia neste ano evitarão aumentos ainda maiores para o consumidor em meio à crise gerada pela pandemia de coronavírus, mas devem gerar pressão sobre as contas de luz nos próximos anos, disseram especialistas à Reuters.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou na última semana diversas medidas que na prática reduzem 18,8 bilhões de reais em custos nas faturas de eletricidade em 2021, o que segundo a autarquia evitará uma elevação de dois dígitos antes esperada no preço da energia.

As medidas de alívio, no entanto, envolveram principalmente a postergação de pagamentos a empresas do setor de energia, como a hidrelétrica binacional de Itaipu, distribuidoras e transmissoras, em manobra conhecida no setor como “diferimento”, e não cortes efetivos de despesas que pesam sobre as tarifas.

“Tendo em vista a situação atual do país, aumentos de dois dígitos seriam avassaladores. Nossa única crítica, ou preocupação, eu diria, é sobre como a Aneel vai tratar disso nos próximos anos”, disse à Reuters a consultoria de regulação e tarifas da Thymos Energia, Ana Carolina Silva.

“Muitas dessas medidas já vão ser revertidas no próximo reajuste (em 2022). A Aneel precisa já começar a pensar, porque se a situação não mudar você corre o risco de ter essa mesma situação novamente no ano que vem.”

O salto nas tarifas, que devem subir perto de 10% mesmo após as ações da Aneel, é impulsionado pela desvalorização do real, que impacta o IGP-M, índice ao qual são atrelados parte dos contratos do setor, e o custo da energia de Itaipu.

Além disso, termelétricas têm sido acionadas desde outubro passado devido à falta de chuvas nas hidrelétricas, principal fonte de geração do Brasil, o que é outra fonte de pressão.

O presidente do centro de estudos Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, disse “aplaudir” a iniciativa da Aneel devido à dificuldade do momento de pandemia, mas também alertou sobre impactos à frente.

Segundo ele, a única certeza neste momento é que já há uma série de custos a serem incorporados nas tarifas nos próximos anos, que ainda podem ser pressionadas por fatores como a continuidade do despacho de térmicas.

“É importante ter na cabeça isso, é a regra número um, em qualquer botequim. Se você não pagar agora, vai pagar depois, com juros e correção monetária. Ninguém, pagando depois, vai pagar menos.”

“O esforço regulatório nessas horas não deve ser pelo máximo de coisas que se pode fazer para mitigar os problemas correntes, mas sim pelo mínimo necessário, para mitigar os problemas sem colocar um risco gigante de tarifaço mais adiante”, acrescentou.

O diretor-geral da Aneel, André Pepitone, disse na semana passada que as medidas para alívio tarifário em 2021 não terão impacto econômico sobre as empresas do setor porque os pagamentos postergados ocorrerão no futuro, com compensações.

Dos valores retirados das contas de luz neste ano, 3,66 bilhões de reais devem-se a uma mudança no pagamento de indenizações devidas a transmissoras de energia que renovaram contratos antecipadamente em 2012.

Essas compensações, que seriam quitadas até 2025, foram prorrogadas para até 2027, com forte redução nos pagamentos previstos em 2021 e 2022 e elevação posterior.

“Não houve retirada de valores, apenas um pouco de alívio neste ano e no que vem, para depois recuperar lá na frente. Manteve-se o que a gente chama de valor presente do negócio”, disse à Reuters o presidente da Associação Brasileira de Transmissoras de Energia Elétrica (Abrate), Mário Miranda.

As ações de desoneração tarifária também incluíram adiamento de 2,14 bilhões de reais em receitas de distribuidoras, a chamada “Parcela B”, e de pagamentos pela energia de Itaipu, que é precificada em dólares. Os diferimentos de Itaipu foram permitidos por um decreto publicado pelo presidente Jair Bolsonaro em abril.

Antes, em fevereiro, Bolsonaro havia demonstrado insatisfação com a tendência de forte elevação nas contas de luz –ele chegou a dizer a apoiadores que seu governo ia “meter o dedo na energia elétrica”, apontada como um “problema”.

SOLUÇÃO ESTRUTURAL

Para os especialistas, o cenário de pressão tarifária coloca desafios para o governo e a Aneel, que precisam avaliar formas de reduzir estruturalmente os custos da energia elétrica.

“A Aneel usou os recursos que ela tinha para tentar reduzir a tarifa, vejo agora que não tem mais o que fazer, não dá para repetir mais essas medidas de agora”, disse o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

“Está na hora de o governo olhar realmente as causas de porque a tarifa é cara no Brasil, e eu acho que a causa é a questão dos subsídios, encargos”, acrescentou ele.

Além dos encargos já existentes, as tarifas ainda serão pressionadas nos próximos anos pelo pagamento de 15 bilhões de reais em empréstimos viabilizados pelo governo com bancos para apoiar distribuidoras de energia após impactos da pandemia.

Os financiamentos serão quitados com cobranças junto aos consumidores de energia entre julho de 2021 e dezembro de 2025.

 

 

Fonte: Uol Economia/Reuters
Crédito da imagem: (Por T3/shutterstock)