Andando em círculos, escreve Adriano Pires
 
                        Adriano Pires e Bruno Pascon, para o Poder360
No dia 4 de junho, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) realizou sua 5ª Reunião Extraordinária, na qual foi aprovada uma resolução para aumentar a transparência e a competição na atividade de abastecimento de combustíveis no Brasil. Apesar da necessidade de promover a transparência e a concorrência no setor, o conteúdo divulgado decepcionou o mercado.
O CNPE deveria atuar por meio de diretrizes para reestruturar os segmentos de distribuição e revenda (downstream), buscando contribuir para a solução dos principais gargalos existentes. Ao invés disso, a resolução atribuiu aos órgãos envolvidos medidas questionáveis e que podem não resultar em melhorias para o setor. E o pior, podem afastar investidores de qualidade. Ao mesmo tempo, não há uma sinalização clara sobre a atuação desses órgãos em relação a questões mais relevantes para o setor, como a sonegação e a política tributária.
A resolução retoma a discussão sobre a venda direta de etanol da usina para os revendedores, amplamente debatida na Tomada Pública de Contribuições nº 2/2018 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Naquele momento, ficou claro que, da forma que foi apresentada, a medida só trará impactos negativos. A falta de escala e de capilaridade das usinas, por exemplo, elevaria o custo logístico da distribuição e poderia aumentar a informalidade. Para implantar a venda direta, a solução é criar a chamada distribuidora vinculada.
Já no âmbito das Consulta e Audiência Públicas nos 20/2018 e 4/2019, as contribuições mostraram que a questão da transparência de preços pode facilitar a formação de cartel, indo na contramão da competição desejada e violando o direito dos consumidores. Voltar no tema resultaria em desperdício de energia e tempo, que serão necessários para discutir outras questões.
Essas consequências negativas apresentadas também estão relacionadas ao fato de o downstream brasileiro nunca ter funcionado de forma livre. Não sabemos qual seria o comportamento do mercado em um setor com preços livremente pactuados, alinhados com o mercado internacional, sem intervenção do governo e com o fim do monopólio da Petrobras no refino.
É importante lembrar que os segmentos de distribuição e revenda já são concorrenciais, com quase 200 distribuidoras de combustíveis líquidos e mais de 40.000 postos revendedores varejista. Apesar da distribuição ser concentrada em 3 grandes empresas (Raízen, Ipiranga e BR Distribuidora) no âmbito nacional, há uma competição local entre elas e as distribuidoras regionais. O refino é o único elo do downstream em que há um monopólio de fato, já que as refinarias da Petrobras somam 98% da capacidade de refino do país.
A resolução chega justamente no momento em que a Petrobras anuncia a venda das suas refinarias e assina um TCC com o CADE, o que provocará impactos diretos no downstream. Com a atração de agentes privados para o refino, haverá uma concorrência entre refinadores e importadores, desde que haja paridade internacional dos preços. É precipitado elaborar uma regulação sem antes entender como o setor irá se adaptar às mudanças em curso.
A resolução do CNPE dá diretrizes para uma maior concorrência e transparência no setor, com uma ótica que não nos parece a mais adequada. Em um setor caracterizado ao longo do tempo pela presença do monopólio da Petrobras, as soluções para maior concorrência e transparência são complexas e, por isso, devem de ser dadas pelo mercado.
Quanto maior a complexidade, mais precisamos deixar o mercado funcionar. Nesse caso, o governo deveria se concentrar nas questões tributárias e no combate à sonegação, que criam concorrência desleal, impedem a atração de investimento de qualidade e lesam consumidores e contribuintes, ao invés de gastar tempo e energia com temas secundários, como a venda direta de etanol.
Cada órgão deve se concentrar nas suas responsabilidades, com a ANP fiscalizando e regulando o setor de combustíveis, o CADE verificando e punindo práticas de mercado irregulares e o Ministério da Economia revendo os tributos no setor. Do contrário, vamos continuar andando em círculos, sem soluções definitivas.
Adriano Pires
Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), Mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Atua há mais de 30 anos na área de energia.

 Espaço Adriano Pires
 Espaço Adriano Pires  18 de Jun de 2019
 18 de Jun de 2019
