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O Apagão e o Racionamento de Energia Elétrica foram, respectivamente, a crise de suprimento de eletricidade e a política governamental implantada para resolver a questão, há vinte anos. Ficaram como exemplos de crise socioeconômica com caráteres conjunturais e estruturais, e também da rápida tomada de decisão do governo brasileiro para enfrentá-la e da boa resposta da população nacional às políticas.

No início dos anos 2000, o sistema elétrico brasileiro estava menos desenvolvido e diversificado que hoje, e dependia muito mais da geração hidroelétrica e dos níveis de volume de água nos reservatórios. Naquela época, mais de 80% do suprimento de energia elétrica do país provinha de geração hidráulica, como mostra a Figura 1.

Figura 1: Matriz Elétrica Brasileira – 2002

Fonte: Ministério de Minas e Energia – MME

O sistema elétrico brasileiro havia sido planejado a partir de umas das piores secas enfrentadas pelo país em meados do século XX. Por causa disso, o sistema foi criado de modo a atender a demanda de pico mesmo com poucas chuvas, o que envolvia a manutenção de excedentes permanentes de água em grandes reservatórios para geração hidráulica.

No entanto, a população brasileira cresceu muito e se urbanizou até o final dos anos 1990, com recordes de consumo de energia a cada ano. Desde meados daquela década, o sistema hidrelétrico instalado começou a dar sinais de esgotamento – desde 1997 as chuvas de verão não eram suficientes para recuperar os níveis ideais dos reservatórios. Um estudo na época do Ministério de Minas e Energia revelava que a possibilidade de déficit de eletricidade no final da década de 90 estava em nível acima do aceitável. O equilíbrio entre oferta e demanda era muito precário. O governo se antecipava diagnosticando falhas no setor e sugeria ações para complementar o Plano de Emergência da Eletrobras, com objetivo de limitar o risco de déficit de energia até 1999.

A Eletrobrás também previa que o consumo anual de energia per capita aumentaria de 1.906 KWh em 1999, para 2.326 KWh em 2004, e 2.707 KWh, em 2009. Diante de tal demanda, o País não poderia permanecer na situação que estava. Não fosse o regime favorável de chuvas, que havia elevado a 68%, no início de 2000, no nível dos reservatórios das principais hidrelétricas do Sul e do Sudeste, o risco de colapso do abastecimento teria sido muito elevado. O verão chuvoso de 2000 salvou a crise de energia naquele ano, pois os níveis dos reservatórios estavam muito abaixo dos níveis dos anos anteriores. O país vinha sofrendo períodos de estiagem intensos e o governo tomou apenas medidas paliativas, não demonstrando preocupação.

Mas a partir de meados de 2000, o Brasil voltou a enfrentar dificuldades com a questão climática, pois ocorreu um dos piores regimes pluviométricos (de chuva) das últimas décadas. As primeiras medidas então adotadas pelo governo, ainda em 2000, foram de campanhas de conscientização para racionamento de energia foi que esse transformou a mentalidade da população brasileira em termos de evitar o desperdício, com contenção voluntária do consumo. Ainda se esperava que as chuvas do verão de 2001 resolveriam o problema no curto prazo. Porém, o período de chuvas não estava sendo suficiente para encher os reservatórios.

Então, no dia 5 de abril de 2001, foi criado o programa de racionalização do uso de energia elétrica, sendo um programa de dois estágios. O primeiro deles seria o da racionalização e caso não fosse afastado o risco de uma demanda maior que a oferta, o governo acionaria o Plano B, o racionamento.

Para piorar tudo, as chuvas no início de abril de 2001, concentraram-se na Região Sul com o deslocamento das frentes frias para o oceano. Daí resultaram escassas precipitações em Minas Gerais e Leste de Goiás, áreas onde estavam (e ainda estão) situados grandes reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste, além das nascentes dos rios São Francisco e Tocantins, onde se situam as usinas que abasteciam o Norte e o Nordeste. Com pouca água, as usinas hidrelétricas estavam com dificuldades para assegurar a geração de energia nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do país.

Se a autocontenção não surtisse efeito, o programa preveria, até julho de 2001, um choque tarifário nas empresas e famílias baseado no tripé: a) quem não diminuir a própria média de consumo do primeiro trimestre pagaria mais caro; b) quem consumisse acima dessa média, teria uma conta ainda mais cara; c) quem diminuísse a média ganharia uma redução tarifária. Essa redução do item c seria sustentada pela extração maior do item a e do b.

Em relação à ampliação da oferta o MME adicionaria 11 mil MW geração, ampliando em um sexto a capacidade da época, no curto prazo. As usinas termoelétricas deveriam ser utilizadas plenamente. Os projetos que dependiam do gás natural boliviano ou extraído pela Petrobrás deveriam entrar em funcionamento antes do previsto.

Diante do risco de apagão, os consumidores residenciais haviam reduzido o uso de eletricidade em quase 20%. O esforço do consumidor ajudou na decisão do governo de, por enquanto, deixar de fora as residências de boa parte das medidas do racionamento. O sistema de bônus e sobretaxas que acabava de ser instituído era preferível aos apagões e, a julgar pelo comportamento dos consumidores era de se esperar que a meta de economia de 20% seria alcançada sem maiores dificuldades, apesar dos inconvenientes que as famílias, o comércio e as indústrias necessariamente sofreriam com a redução do consumo.

Como consequência da rápida reação à crise energética, o pior foi evitado. Terminava oficialmente, no dia 1o de março de 2002, o racionamento de energia elétrica, que havia obrigado a população a viver uma rotina diferente durante nove meses. O mais importante desse plano de racionamento foi que esse transformou a mentalidade da população brasileira em termos de evitar o desperdício de energia. É por esse motivo que o período em que a sociedade enfrentou a crise energética merece grande destaque.

Hoje, graças ao bom planejamento energético posterior à crise, nossa matriz elétrica é muito mais diversificada por outras fontes de energia, a rede de transmissão está muito melhor integrada e o Operador Nacional do Sistema tem experiência com a distribuição de energia para evitar desabastecimentos. Só pra ter uma ideia, a fonte hidráulica corresponde por mais saudáveis 66,6% da matriz, sendo que temos térmicas de sobra que operam com vários tipos diferentes de combustíveis prontas para serem ligadas em caso de excesso de demanda em qualquer parte do país.

(Fonte: CBIE)