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Alta do petróleo no mercado internacional volta a testar autonomia da Petrobras na política de preços dos combustíveis

Por André Ramalho para o Valor Econômico.

 

Queiroz, da UFRJ: decisão da Petrobras de não reajustar preços de imediato foi correta, mas histórico de intervenção do governo alimenta desconfiança (Foto Aline Massuca/Valor)

A queda de 6% nos preços do petróleo, ontem, em meio à expectativa de recuperação da produção saudita até o fim do mês, aliviou a pressão das cotações internacionais sobre um possível reajuste imediato da Petrobras nos combustíveis, no mercado interno. O cenário de tensões entre EUA e Irã, no entanto, deve manter a volatilidade da commodity e voltar a testar a política de preços da estatal, nas próximas semanas. Acionistas da companhia e candidatos à compra das refinarias da empresa acompanham de perto os desdobramentos do episódio.

A alta do petróleo nos últimos dias é mais um teste para medir a autonomia da petroleira desde o episódio da intervenção do presidente Jair Bolsonaro (PSL) no reajuste do diesel, em abril. Mesmo com queda da cotação internacional, ontem, os efeitos da escalada de 14% na segunda-feira não foram totalmente eliminados e o preço do Brent acumula valorização de cerca de US$ 4 por barril frente ao dia 13, data do último reajuste da estatal. Os contratos do Brent para novembro situaram-se, ontem, em US$ 64,55 por barril.

A Petrobras decidiu não reajustar seus preços de imediato, sob a alegação de que o mercado apresenta, neste momento, uma volatilidade alta e que a reação súbita das cotações pode vir a ser atenuada. Vale lembrar que a política de preços da estatal não trabalha com periodicidade definida ou a obriga a reajustar os valores de imediato após picos, embora reforce o compromisso com o alinhamento ao mercado internacional.

No entanto, as regras de precificação da petroleira criam, nos casos de estresse do mercado, um efeito dúbio: por um lado, a política de preços da estatal está em linha com as práticas de seus pares globais e dá um sinal de que a empresa tem liberdade para aplicar reajustes quando bem entender. Por outro, falta clareza sobre a metodologia da precificação, o que dá margem a questionamentos sobre a autonomia da empresa quando ela não reajusta seus preços na mesma intensidade que o movimento do mercado internacional. A fórmula de precificação sempre foi mantida em sigilo pela empresa, por motivos estratégicos.

O professor da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), Hélder Queiroz, defende que a decisão da Petrobras de não reajustar de imediato parece correta, uma vez que a cotação do barril deu sinais de queda. Ele comenta, porém, que o histórico de intervenção do governo nos preços ajuda a alimentar a desconfiança quanto à autonomia da empresa e que a credibilidade da política de preços é uma construção que exige tempo.

“A política de preços alinhados ao mercado internacional já teve sobressaltos [nos últimos anos], quando o governo Michel Temer decidiu criar subsídios para o diesel e quando o presidente Jair Bolsonaro ligou em abril para o presidente Roberto Castello Branco, no que o mercado interpretou como uma interferência [na suspensão dos reajustes do diesel]. Ainda não temos um período longo que nos permita dizer que a política de preços tenha se consolidado”, afirma.

O ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) destaca, ainda, que não há clareza sobre em que medida os preços do petróleo já se acomodaram, em meio às tensões no Oriente Médio. “Uma coisa é o aspecto operacional [da produção saudita], que caminha para a recuperação, mas outra coisa é se haverá desdobramentos geopolíticos, entre EUA e Irã”, disse.

Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, a tendência é de volatilidade, com viés de alta, nas próximas semanas. “O episódio mostrou ao mundo uma vulnerabilidade na produção saudita que não estava precificada e o nível de tensão entre EUA e Irã aumentou. Não acredito que voltamos à estabilidade dos preços”, afirmou.

O consultor afirma que investidores olham com muita atenção para os preços da estatal, nesse momento em que a Petrobras avança com a venda de suas refinarias. Segundo ele, é muito importante que a empresa dê sinais positivos de autonomia, em meio às negociações. Isso porque o histórico de controle de preços no Brasil sempre foi tido como o principal entrave à entrada de novos agentes no refino. O temor dos investidores é que, uma vez que passem a operar, tenham de competir com preços mais baixos por parte do principal agente do mercado.

Declarações do próprio presidente da República não ajudam a eliminar as desconfianças sobre a autonomia da empresa. O governo acumula episódios em que o presidente deu sinais de intervir no dia a dia da estatal e atropelou os ritos de comunicação da companhia. Na segunda-feira, Bolsonaro se antecipou à Petrobras e anunciou que não haveria reajustes imediatos nos preços.

O grau de autonomia da Petrobras já havia sido colocado em xeque no início do ano, quando Castello Branco indicou um amigo particular de Bolsonaro, Carlos Victor Guerra Nagem, para a gerência-executiva de inteligência e segurança da empresa.

(Fonte: Valor)