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Texto final da MP 1.304 é mais um exemplo de como o Congresso prefere agradar a interesses específicos e deixar de lado os consumidores

É preciso reconhecer o trabalho do senador Eduardo Braga na relatoria da Medida Provisória (MP) n.º 1.304, que tentou emplacar providências para o resgate do setor elétrico brasileiro. E conseguiu, em parte. O projeto, entre outras medidas, abre o mercado para todos os consumidores brasileiros, fortalece sinais de preços de mercado, impõe limites, embora tímidos, para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e valoriza atributos escassos, como flexibilidade e capacidade, que podem ser prestados pelas fontes salvadoras de sempre: as hidrelétricas e as termoelétricas.

Mas o texto final acaba sendo mais um exemplo de como o Congresso prefere agradar a interesses específicos e deixar de lado os consumidores. O que se aprovou, nos acréscimos do segundo tempo, pode representar uma conta bilionária para a dona Maria: a possibilidade de repasse para a tarifa, de até R$ 7 bilhões.

Projeto aprovado no Congresso mantém desequilíbrio no setor Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Essas cifras exorbitantes representam os valores que geradores eólicos e solares poderão receber de ressarcimento por cortes de geração que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) corretamente vem impondo a eles, em nome da segurança do sistema, associados a riscos do seu negócio e de ninguém mais.

O limite de todo negócio é a existência de cliente. Se um restaurante não tem clientes suficientes, o dono não pode jogar a conta das mesas vazias às mesas ocupadas. Acreditem, é isso que o projeto aprovado permite: eventual redução de receita provocada por falta de consumo poderá ser paga por aqueles que consomem (e já pagam pela energia). Assim, quem consome paga duas vezes: pelo seu consumo e por aquele que o investidor gostaria que ocorresse, mas não ocorre. Parece bizarro, quase inacreditável, e é.

A lógica é simples e injusta: quando as eólicas e solares geram, o lucro é do investidor; quando não geram, o prejuízo é socializado.

A micro e minigeração distribuída (MMGD) sempre representou a chance de descentralizar o setor elétrico e dar mais autonomia ao consumidor. Mas o País desperdiçou a oportunidade de promover sua expansão sustentável e equilibrada – sem subsídios cruzados. Infelizmente, o projeto aprovado manteve os incentivos que permitem que consumidores de baixa renda, que não têm acesso a painéis solares, paguem subsídios aos mais ricos, que instalam seus painéis e fogem de encargos.

O resultado é perverso e mais uma vez imporá uma dupla oneração ao consumidor: com o crescimento desenfreado da MMGD impulsionado por absurdos subsídios pagos pelos mais pobres, crescerão os cortes de geração que serão pagos, mais uma vez, pelos mais pobres.

Prevaleceu o rolo compressor. E quem ficou no asfalto, de novo, foi a dona Maria.

Publicado originalmente pelo Estadão.