Data centers e a nova matriz do poder

O Brasil está perdendo esse bonde digital
O mundo está no meio de uma revolução elétrica. Carros, chips, inteligência artificial. Tudo depende de energia. A demanda global por eletricidade deve atingir 3,3 trilhões de dólares em investimentos até 2030, segundo a Agência Internacional de Energia. O principal motor dessa corrida são os data centers – estruturas que consomem hoje 1,5% da eletricidade mundial e podem chegar a 3% até o fim da década. Esse volume de energia significa que, em quatro anos, vamos adicionar um Japão ao consumo mundial.
Esses gigantes digitais exigem energia firme, constante e previsível. O sistema tem que entregar potência com baixa latência e alta estabilidade. Energia solar e eólica ajudam, mas não bastam. A base firme ainda vem de hidrelétricas com reservatório, gás natural e, cada vez mais, de nucleares modulares.
Enquanto países como Estados Unidos, Irlanda e Índia tratam data centers como ativos estratégicos, o Brasil ainda tenta entender o que fazer. Lá fora, o mundo digital caminha junto com o mundo dos elétrons. Aqui, nos agarramos à nossa matriz renovável como tábua de salvação, mas esquecemos de outros desafios que precisam ser enfrentados. Temos 88% da matriz elétrica composta por fontes renováveis – uma das mais limpas do mundo. Mas falta o essencial: coordenação institucional e liberdade de mercado.
O cenário é claro: essa revolução digital vai gerar um crescimento exponencial de demanda – e como gerar toda essa energia pode ser o grande gargalo. O setor de nuvem, que antes ficava no rodapé da conta global, virou protagonista da demanda energética. Em resposta, governos estão adaptando marcos regulatórios, incentivando soluções de mercado e garantindo energia firme para atrair investimentos.
Não há soberania digital sem soberania energética. Nesse sentido, o Brasil, mesmo com vantagens naturais, continua olhando pelo retrovisor. Perdemos tempo em disputas regulatórias, incentivos contraditórios e promessas de subsídio. Nos últimos meses, duas Medidas Provisórias tentaram organizar o setor. São sinais de avanço, mas também de improviso.
A MP 1.307/2025 exige que empresas em Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) usem energia 100% renovável para obter benefícios fiscais. É uma boa ideia no papel, mas restrita – e pioneira. Não existe no mundo nenhum data center 100% renovável. A outra é a MP 1.318/2025, conhecida como ReData. Essa norma cria um regime especial de tributação para data centers, zera impostos sobre servidores e equipamentos, exige energia limpa e impõe contrapartidas: 2% dos investimentos em P&D no Brasil e 10% da capacidade reservada ao uso nacional.
Na teoria, é um pacote moderno. Na prática, falta clareza jurídica e pragmatismo. O conceito de “exportação de serviço digital” ainda é nebuloso. E o excesso de exigências e custos pode afastar quem deveria ser atraído. Como resumiu um executivo do setor: “Estamos oferecendo energia verde, mas com burocracia cinza.”
As medidas trazem soluções do passado para resolver problemas do futuro. O país continua preso à lógica do incentivo temporário, da exceção tributária e da reserva de mercado – caminhos já tentados e que acabaram com o mesmo resultado: afastando o investimento, o investidor e nos deixando amarrados ao atraso.
Enquanto isso, o mundo avança. O relatório World Energy Investment 2025 mostra que mais da metade dos investimentos globais já vai para eletricidade e digitalização. A chamada “Era da Eletricidade” começou. E quem entender que computação e energia são partes do mesmo sistema vai liderar o próximo ciclo econômico.
Parece que o Brasil ainda não entendeu. Exportamos o slogan do país da energia renovável, mas importamos infraestrutura digital. Temos energia limpa, mas não temos energia disponível e firme onde os data centers precisam estar. Data centers não são galpões de tecnologia; são infraestruturas críticas, como portos e refinarias. O Brasil precisa enfrentar a realidade com pragmatismo e sem ideologia.
Enquanto o mundo constrói a nova matriz energética digital, seguimos criando barreiras aos investimentos e sem avançar. O risco é claro: a nuvem vai passar.