Entrevista: após COVID-19, gás do pré-sal poderá adicionar de 10 a 12 GW ao sistema
Por Guilherme Mendes para a Agência iNFRA.
Quando a tempestade causada pela pandemia da Covid-19 passar, a bonança deverá ser puxada por uma das principais fontes de energia disponíveis no país. A inclusão das reservas de gás natural das camadas do pré e pós-sal, na matriz energética brasileira, poderia adicionar entre 10 a 12 Gigawatts ao sistema brasileiro – uma nova Usina de Belo Monte. A análise é de Bruno Pascon, que é sócio do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura) em São Paulo.
O número é bem superior aos estudos preliminares da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), que apontaram um acréscimo de 2,65 GW na capacidade produtiva do país. Para absorver toda essa produção, aponta Pascon, espera-se a implantação de menos 3 novas UPGNs [Unidade de Processamento de Gás Natural] com capacidade de 20 milhões de m³/dia cada, na próxima década.
Nesta entrevista, o sócio da CBIE analisa também como a pandemia do coronavírus, aliada a uma guerra de preços do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita, afetou o preço do combustível mundo afora, e como as jazidas de gás associado podem representar bons prospectos para o setor.
“Não estamos falando de substituir a expansão renovável por térmicas a gás natural, mas possivelmente aumentar a quantidade de térmicas incluídas no horizonte de planejamento do PDE [Plano Decenal de Energia] de característica inflexível, contra as flexíveis que se utilizarão de GNL”, comentou o analista. A seguir, trechos da conversa:
O país tem potencial para explorar com usinas de gás natural inflexíveis, utilizando-se dos recursos do pré-sal? É possível falarmos em números (de usinas ou de potencial de geração)?
Certamente. A produção de gás natural no pré-sal pode mais do que dobrar nos próximos 10 anos, em relação à oferta líquida de gás natural observada em janeiro, de 62,5 milhões de m³/dia. É importante esclarecer que cerca de 80% da produção de gás natural do pré-sal, que já responde por 56% de total produção de gás do país em 2019, é de gás associado a campos de petróleo.
A estratégia de monetização desse gás é mais complexa do que no cenário de campos não associados, como verifica-se, por exemplo, na bacia de Sergipe – Alagoas (SEAL). Quando um campo não é associado, as alternativas de monetização são duas: produzir para atender o mercado doméstico ou mercado de exportação. No caso de gás associado a petróleo, acrescenta-se uma terceira alternativa de monetização: a reinjeção desse gás para otimizar ou acelerar a recuperação do petróleo do campo que está associado.
Olhando para o atendimento do mercado doméstico achamos que a construção de termelétricas a gás natural de natureza inflexível como uma das melhores alternativas para melhorar a robustez do suprimento de eletricidade do país, dada a significativa evolução de fontes intermitentes nos últimos 15 anos e projetada para os próximos 10 anos.
Há um potencial de até 10 GW a 12 GW de geração térmica oriunda de gás natural do pré-sal e pós-sal, contra o cenário preliminar considerado no Plano Decenal 2029 de 2,65 GW. Tal potencial significaria um consumo de gás adicional, em ciclo combinado, entre 42 e 50 milhões de m³/dia, que é bastante factível de ser atendido, considerando a curva futura de produção de gás natural e a eliminação de gargalos logísticos de escoamento e processamento de gás natural atuais.
A oferta e demanda para o pré-sal, hoje, são favoráveis às térmicas? Quais outros fatores são necessários para o sucesso nesse tipo de investimento?
Atualmente, já considerando a entrada em operação da Rota 3 prevista para 2021, o Brasil possui capacidade de escoamento de 44 milhões de m³/dia e, com a projeção de aumento de produção de gás natural futura, estima-se uma necessidade de escoamento adicional de 30-45 milhões m³/dia para atender o pré-sal e 15-20 milhões dia para o pós-sal da Bacia SEAL.
Para processar e tratar esse gás, o Brasil possui hoje 14 UPGN, espécie de refinarias de gás natural, com capacidade de processamento bruta de 95,7 milhões de m³/dia e líquida de 61,4 milhões. Dada a projeção do aumento de oferta de gás natural, estima-se a necessidade de pelo menos três novas UPGNs com capacidade de 20 milhões/dia cada nos próximos 10 anos.
Por isso a importância de uma adequada sinalização de demanda pelo gás do pré-sal: para que haja atração dos investimentos necessários de infraestrutura, permitindo que esse gás chegue ao litoral e abasteça o mercado termelétrico e industrial.
Há disposição governamental para investimentos nesse setor?
Há bastante disposição. Inclusive a EPE acrescentou um capítulo adicional no Plano Decenal de 2029 para o papel do gás natural na matriz elétrica e energética brasileira. O capítulo já avançou sobre a versão preliminar, com aumento na oferta indicativa de térmicas com gás do pré-sal de 1 GW para 2,65 GW, mas achamos que tem espaço para mais. A boa notícia é que o Ministério de Minas e Energia, EPE e reguladores têm sido muito abertos ao diálogo com o setor para se construir uma visão conjunta do papel desta fonte no âmbito do Novo Mercado de Gás.
Passada esta fase mais turbulenta da Covid, com o preço do gás como está, o cenário passa a ser positivo para o setor?
É importante separarmos os efeitos conjunturais dos estruturais. Com a diminuição nos números de casos de Covid-19 e gradual redução de indivíduos contaminados ao longo dos próximos meses, espera-se a retomada gradual das engrenagens da atividade econômica.
Como EUA e China respondem por 35% do consumo global de petróleo, quando a situação mais crítica passar e medidas de isolamento sejam paulatinamente reduzidas, espera-se impacto positivo para a demanda. Normalização provavelmente só dentro de 15 a 18 meses, mas inflexão positiva já se espera para o segundo semestre.
No Brasil, a velocidade com que a inserção do gás natural se dará na matriz elétrica e energética dependerá do esforço coordenado de planejamento e manutenção de arcabouço regulatório atrativo a investimentos e com segurança jurídica para que os gargalos logísticos sejam superados e o gás possa chegar ao mercado doméstico.
O quanto a Covid-19 pode afetar o setor de combustíveis no país? É possível projetar algum número em termos de queda de demanda?
Os impactos refletem-se no setor de serviços e o setor de transporte, uma vez que o isolamento social e iniciativas de trabalho remoto reduzem o uso de transporte.
Ainda é cedo para se projetar o impacto nas vendas de combustíveis. Com a redução observada de tráfego de veículos e no volume de vendas de postos revendedores, estima-se reduções nas vendas Ciclo Otto (gasolina C + etanol hidratado) de até 70% no auge da crise e de até 50% no volume de diesel. No curto prazo, o Brasil, que historicamente é exportador de petróleo cru e importador de combustíveis, passará a ser exportador líquido também de combustíveis, devido à redução temporária de demanda.
E como fica esta conjuntura para as termelétricas movidas a gás?
A demanda por gás natural também é afetada negativamente em função da menor atividade econômica. O ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] projeta uma redução de carga de até 10% no curto prazo e uma retração média em 2020 de 0,9%, quando se estimava, antes da crise, aumento de carga de 3,8% a 4,2%. Embora o consumo nas residências aumente no período de isolamento, a redução de consumidores de alta tensão (comercial e industrial) pode alcançar patamares de 30% a 40% devido à menor atividade econômica.
Por mais que haja uma sobreoferta no curto prazo, o impacto de preços de petróleo mais baixos nos próximos meses pode levar a uma redução de produção de petróleo e gás associado nos EUA da ordem de 1 milhão de barris dia em 2020 e pico de redução de 2,5 milhões.
Espera-se um rebalanceamento de preços de gás natural até o final do ano. Com relação a petróleo, o cenário de normalização de preços está previsto para ocorrer somente ao final de 2021, quando a princípio projeta-se retorno ao patamar de US$ 60/barril.
Não espero que referências de preços mais baixos de gás natural no curto prazo levem a mudanças estruturais na competitividade da fonte. No médio e longo prazo, o gás natural permanecerá sendo a fonte preferida da transição energética, com papel de destaque na expansão da matriz elétrica brasileira juntamente com fontes renováveis.
Quase simultaneamente ao início da pandemia, houve a desvalorização do petróleo mundo afora. Se fosse necessário escolher um desses fatos como o mais relevante, qual seria?
É difícil dissociar um acontecimento do outro. Em linhas gerais, os impactos da Covid-19 afetam o lado da demanda de óleo e gás, enquanto a guerra de preços entre a Arábia Saudita e a Rússia afeta o lado da oferta.
Esse movimento, conjuntamente com projeções negativas de demanda, levou ao cenário de estresse de mercado, com estimativas de sobreoferta de petróleo ultrapassando 15 milhões de barris/dia para abril e maio, algo sem precedentes. Como os efeitos da Covid-19 vão se traduzir em significativos impactos econômicos pós-controle da pandemia global, pode-se considerar que é o fato mais relevante.