A questão do monopólio da Petrobras no refino, explica Adriano Pires
 
                        Adriano Pires, para o Poder360

A Petrobras foi aplaudida ao anunciar a venda de oito das treze refinarias que possui. (Foto: Sérgio Lima/Poder360)
No mês passado a Petrobras foi aplaudida ao definir o conjunto de refinarias do seu plano de desinvestimento. A companhia anunciou a venda de oito das treze refinarias que possui, responsáveis por 48% da capacidade de refino nacional – 1,1 milhão de barris por dia. A animação pela venda das refinarias é justificada pela possibilidade de atrair novos players para o mercado brasileiro, o que aumenta a competitividade e poderá reduzir o preço final aos consumidores. No entanto, é preciso deixar uma questão clara: a legislação nacional desde 1997 sempre possibilitou a entrada de outras empresas no refino.
A Lei nº 9.748/1997 definiu que qualquer empresa, ou consórcio de empresas, pode submeter à ANP uma proposta para a construção e operação de refinarias, bem como para a ampliação de sua capacidade. No entanto, das atuais 17 refinarias nacionais, 13 são da Petrobras, o que representa 98% da capacidade de refino. Mas por que o monopólio do refino se mantém, mesmo após mais de 20 anos de abertura legal do mercado? A explicação reside no histórico de intervenções governamentais no setor, mesmo sem barreiras legais, tecnológicas ou financeiras à entrada.
De maneira recorrente, todos os governos interviram no preço dos combustíveis. A conta petróleo, metodologia sem transparência criada nos governos militares quando a Petrobras ainda não tinha acionistas privados, é um exemplo. Já no governo Fernando Henrique Cardoso houve intervenção no preço dos combustíveis, a fim de diminuir o custo do gás de cozinha na campanha presidencial de 2002. Recentemente, subsídios à gasolina e ao diesel foram adotados pelos governos do Partido dos Trabalhadores, principalmente na gestão Dilma Rousseff.
O grande problema está no risco regulatório e político que se impõe ao negócio. Basta ver como o valor da Petrobras é afetado a cada evento político que ocorre no país. Em maio de 2017, as ações preferenciais da estatal caíram 15,7%, após denúncias de Joesley Batista, um dos donos da JBS. O empresário entregou à Procuradoria Geral da República (PGR) uma gravação entre ele e o ex-presidente, Michel Temer, sobre a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, preso na Operação Lava Jato.
Um ano depois, as ações preferenciais da Petrobras caíram cerca de 14,6%, em reação à greve dos caminhoneiros. Agora em 2019 as ações da empresa tiveram nova queda, de 8,5% nas ordinárias e 7,8% nas preferenciais, em resposta à intervenção do presidente Jair Bolsonaro no reajuste do preço do diesel. Nesse último caso, mais uma vez, o governo tinha a intenção de evitar uma nova greve dos caminhoneiros.
A relevância do tema fez o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicar a Resolução nº 9, de 9 de maio. A resolução recomenda a adoção de diretrizes para viabilizar a competição. Diretrizes chamando a atenção para a verticalização e para a venda da infraestrutura em torno das refinarias que poderiam ser vendidas não necessariamente em conjunto com as refinarias.
As refinarias anunciadas como parte do plano de desinvestimento representam 49% da capacidade de refino da Petrobras, ou seja, 51% será mantido sob controle da empresa. Os principais ativos excluídos da oferta estão localizados perto dos mercados consumidores mais significativos do país: São Paulo e Rio de Janeiro. Ou seja, os ativos de maior atratividade não estão sendo ofertados.
O plano da companhia de reter as refinarias na principal região econômica do país também poderia gerar um conflito com o órgão antitruste, o Cade, que já abriu um inquérito contra a estatal para apurar um suposto abuso de posição dominante no mercado nacional de refino. Portanto, seja qual for o modelo usado para a venda pela Petrobras, o Cade terá que analisar.
Os desinvestimentos no refino ajudarão a Petrobras a sustentar suas finanças e poderão blindar a empresa de intervenções do governo nos preços dos derivados. No entanto, o segmento é permeado de risco regulatório e político, o que afasta o investidor privado. Para mudar esse cenário, é preciso eliminar a permanente perspectiva de ingerência política sobre o preço dos combustíveis.
Para isso é fundamental que se altere a politica tributária tanto em relação ao segmento de refino quanto aos combustíveis. No refino é preciso rever a legislação onde as refinarias exercem o papel de substituta tributária. Num momento de privatização das refinarias é preciso estar atento para alterar essa politica. A sugestão é de que as refinarias sejam substitutas tributárias somente dos barris de petróleo que elas processam e não das correntes utilizadas para produzir derivados. A ideia é evitar incentivo à sonegação. Em relação aos derivados seria importante criar um Fundo de Estabilização do preço do diesel usando as receitas extras dos royalties. Ou criar um imposto flex que seria alto quando o barril estiver com preço baixo e baixo quando o barril estiver alto.
Adriano Pires
Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), Mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Atua há mais de 30 anos na área de energia.

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 Espaço Adriano Pires  21 de Maio de 2019
 21 de Maio de 2019