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Cide é instrumento mal-utilizado

Ajuste poderia criar um colchão

Adriano Pires para o Poder360.

É impressionante a volatilidade dos preços dos combustíveis no mercado internacional. Quando acontece um conflito com envolvimento de países produtores de petróleo, o preço sobe rapidamente, provocado por especulações geradas pelo risco de redução da produção e/ou oferta, e consequente diminuição dos estoques dos combustíveis derivados do petróleo.

Nos últimos meses, experimentamos esta variação brusca em duas ocasiões. A 1ª, quando houve o ataque, por drones, em instalações de petróleo na Arábia Saudita, e os preços do petróleo e, também, dos combustíveis derivados subiram 20% imediatamente. Especulação baseada no risco de redução de produção e oferta do óleo produzido pela Arábia Saudita e por restrições na movimentação de navios-tanque que transportam petróleo e derivados.

A 2ª, quando houve o conflito no Irã, com a morte do líder militar Qassem Soleimani, que provocou aumento de cerca de 4% nas cotações internacionais. Só neste ano, os futuros do Brent, por barril, balançaram entre a máxima superior a US$ 70, na 1ª semana de janeiro, até menos de US$ 50, na última 6ª feira (6.mar.2020).

Nestes 2 eventos, a Petrobras, formadora dos preços dos combustíveis derivados do petróleo no mercado nacional, uma vez que ainda detém 98% da capacidade de refino no Brasil, acertadamente, aguardou a estabilização dos preços, e depois de alguns dias, aplicou reajustes da ordem de 3% em ambos os eventos, assumindo o risco de protestos e ameaças de greves por parte dos caminhoneiros.

Agora, no final de fevereiro, com o surgimento do coronavírus, que está afetando fortemente a economia da China (país que tem participação substancial no consumo de derivados de petróleo), bem como outros países asiáticos, e com impactos nos mercados de todos os países do mundo. Com isso, os preços do petróleo, junto com os preços de seus produtos derivados, tiveram quedas expressivas, suportadas pela forte redução da demanda. Consequentemente, a Petrobras anunciou redução nos preços da gasolina (4%) e do óleo diesel (5%), em 28 de fevereiro.

A alta volatilidade de um insumo importante como os combustíveis dificulta o planejamento das atividades industriais e comerciais, impactando na precificação dos produtos e serviços. Entre eles, podemos citar os produtos agrícolas e os fretes para os diversos produtos comercializados no país. A situação é agravada pela forte dependência que temos do modal de transporte rodoviário para a movimentação de passageiros e mercadorias.

Numa economia globalizada, os produtores de derivados de petróleo não podem deixar de acompanhar os preços do mercado internacional, e a Petrobras, que é formadora de preços no país está no caminho correto. Cabe ao governo estabelecer mecanismos que permitam a estabilização dos preços dos combustíveis e suavização das bruscas variações que impactam na vida dos brasileiros e na economia do país.

Em outras oportunidades, já falamos sobre a importância da implantação de uma câmara de compensação, com a utilização dos valores excedentes dos royalties recebidos pela comercialização do petróleo nacional. Entretanto, se é difícil a implantação desse mecanismo de utilização dos royalties para conter aumentos advindos de fatores fora do mercado de petróleo, é importante lembrar que temos a esquecida Cide.

Com certeza, a Cide é o instrumento mais desconhecido e, portanto, mais mal-utilizado pela política de preços de combustíveis no Brasil. A Cide veio a partir de uma lei, possui um piso que é zero e um teto, variando o valor em função do combustível, e é cobrada na refinaria. Os seus recursos são divididos entre a União, Estados e municípios. Além de beneficiar a União, Estados e municípios, a Cide deveria funcionar como um imposto ambiental. Nesse sentido, a Cide seria elevada quando o preço do barril de petróleo estivesse em ciclo de baixa e reduzida nos ciclos de alta de preços.

Momentos de baixa nos preços do petróleo e de inflação baixa, como o que estamos vivendo, são oportunos para o início da adoção de mecanismos que poderiam reduzir a insegurança dos consumidores. O governo deveria aproveitar a oportunidade para atuação imediata e elevar o valor da Cide. Hesitar, num momento como esse, pode ser tempo suficiente para que a gangorra volte a subir e aí, sim, será baixa a probabilidade de realização de qualquer ajuste que possibilite a criação de um colchão.

É importante lembrarmos que as variações nos preços dos combustíveis como a gasolina e o diesel impactam na precificação e na viabilidade da comercialização dos biocombustíveis.

(Fonte: Poder360)

Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).