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O feudalismo foi uma forma de organização econômica, política e social que teve seu auge em torno do século X. O sistema tinha como principais características uma sociedade hierarquizada e descentralizada, com pouca mobilidade social. Cada senhor feudal cuidava do seu próprio território e da sua produção, criando uma economia de servidão com comércio limitado e sem avanços expressivos por aproximadamente 10 séculos.

O setor elétrico brasileiro opera de forma parecida. Existem atualmente mais de 30 associações, que representam interesses distintos e específicos dos diversos agentes. Com cada um defendendo o seu lado, falta ao setor uma visão holística para pensar as políticas atuais e as estratégias de médio/longo prazo. A disputa por benefícios individuais prejudica o setor como um todo, como no caso dos diversos subsídios, que oneram o bolso do consumidor. A busca pela otimização individual tem levado à degradação global.

O resultado desse cenário é um modelo ultrapassado para o setor elétrico no Brasil, com atraso na introdução de novas tecnologias. A dimensão continental e as características regionais fazem com que o país possua uma condição natural diversa e privilegiada em relação à disponibilidade de fontes primárias de energia, incluindo hídrica, eólica, solar, biomassa, gás natural e nuclear. Apesar disso, a eletricidade é cara e as interrupções no fornecimento são frequentes em comparação a outros países.

Japão e EUA, por exemplo, têm um arcabouço legal e regulatório muito mais avançado, mesmo enfrentando desafios. Assim como ocorre no Brasil, os EUA também têm grande diversidade de fontes e uma dimensão continental, mas precisam atender a uma demanda por energia elétrica muito superior. O caso japonês é oposto, com baixa disponibilidade de fontes e dificuldades geográficas para integração das redes, que precisaram ser estruturadas e forma descentralizada entre o leste e o oeste. Além disso, desastres naturais são recorrentes, como o acidente de Fukushima, que impôs questionamentos à geração nuclear no país, importante fonte de abastecimento local.

Enquanto isso, o que se observa no Brasil são desarranjos estruturais acumulados após anos de má gestão no setor. A combinação de subsídios cruzados, com períodos de acionamento de térmicas a óleo, em razão da menor participação das hidroelétricas e tributos elevados impôs ao consumidor uma das mais altas tarifas de energia elétrica do mundo. Essas bombas relógio tarifárias herdadas dos últimos anos, junto com conflitos judiciais, refletem não apenas em prejuízos aos consumidores, mas também aumentam o chamado custo Brasil.

Existem propostas em andamento no congresso, com destaque para os projetos de lei (PL): (i) 1.917/2015, que dispõe sobre aperfeiçoamento setorial com diminuição de subsídios; (ii) 6.621/2016, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras; e (iii) 9.463/2018, que dispõe sobre a desestatização do Grupo Eletrobras. A boa noticia e que o governo Temer teve sucesso na privatização das últimas 6 distribuidoras controladas pela Eletrobras no final de 2018, dando continuidade ao processo de reestruturação da empresa.

Há ainda um longo caminho pela frente para reestruturação do setor. A oportunidade de aumento da oferta de gás natural do pre sal e mesmo a importação de GNL viabilizam as térmicas a gás natural. Com isso, seria possível ampliar a participação de renováveis como eólica e solar. O setor elétrico tem uma enorme importância nas cadeias produtivas, na formação de preços e custos. Nao pode ser um setor mais ou menos e se o pais quer dar certo precisa de segurança no abastecimento.

Esses avanços dependem de maior segurança regulatória e jurídica para atração de investimentos, que dependem de uma articulação integrada entre os agentes do setor. É necessário que haja um ambiente de confiança, buscando competição e eficiência. Para isso, é preciso evoluir do modelo feudal e enxergar o planejamento do setor elétrico de forma holística. Tudo isso para beneficiar o consumidor.