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Pandemia afeta o setor
Queda no consumo: 15%
É preciso mais criatividade
E menos conservadorismo

Por Adriano Pires e Pedro Arthur Pedras para o Poder360.

Uma das consequências econômicas do atual modelo do setor elétrico brasileiro é a inversa relação que vivenciamos entre nível dos reservatórios e níveis de preço de curto prazo, enquanto um sobe o outro desce, essa é a realidade do sistema Brasileiro, a alta volatilidade, sem qualquer mecanismo de amortecimento.

Isto decorre da contínua exaustão anual dos reservatórios, levando-os ao final de período seco, a patamares de 20% de armazenamento, o que não atende sequer um mês de demanda. O racionamento por preço já ocorre anualmente, quando os preços invertem a ótica econômica de produção, e atingem valores elevados nos momentos de forte depleção dos reservatórios.

Orientando economicamente algumas indústrias que é melhor parar de produzir e vender sua energia no mercado de curto prazo. Se as oscilações anuais dos reservatórios são em média da ordem de 30 pontos percentuais, saindo de um armazenamento de 55% para 25% ou 20%,  a variação de preços de curto prazo, PLD (Preço de Liquidação das Diferenças), publicados pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), oscila de R$40 a R$500, isto é, uma variação superior a 1.000% nos preços de curto prazo.

Fica evidente que é preciso encontrar uma solução, como por exemplo ter a meta de encerrar o período úmido com reservatórios na casa dos 80%, para pós período seco estarem em patamares acima de 40% . Assim não teríamos ao final do período seco um armazenamento próximo a 20% e sim um armazenamento superior a 40%. Fica a pergunta de qual a vantagem de ter fortes oscilações de preços de curto prazo, proporcionalmente tão maiores aos volumes de armazenamento? Qual a lógica e benefícios de ordem econômica e operacional dessa estratégia?

A escala da inserção das fontes renováveis, intermitentes e sazonais, trouxe consigo alguns dramas e desafios:

a alta volatilidade dos preços de curto prazo em um mesmo ano;
a geração termelétrica ineficiente aumentando os custos do despacho sazonal por ordem de mérito;
a forte queda anual dos reservatórios sem preservar um nível mínimo de armazenamento nos reservatórios ao final do período seco.

A solução destes pontos parece requerer a existência de um mecanismo estrutural que garanta um despacho termelétrico mínimo durante o período úmido, de modo a se dispor de um maior estoque de água nos reservatórios para ser utilizado no período seco.

Uma forma de operacionalizar este mecanismo seria através da compra de armazenamento pelo governo durante o período úmido. Este processo seria equivalente a criação de uma “demanda virtual” de energia no período úmido, que pode ser vista como aquela necessária para abastecer uma “bateria virtual”.

O volume desta “demanda virtual” seria gerenciado pelo governo, proporcionando uma elevação “controlada” da geração térmica despachada por mérito econômico e dos custos marginais de operação no período úmido. Durante o período seco, o governo venderia a energia armazenada em sua “bateria virtual”, deslocando assim geração térmica de alto custo. Este processo resultaria numa maior estabilidade da geração térmica e dos custos marginais durante o ano.

Note que com este mecanismo, o governo poderia realizar uma gestão de bandas (piso e teto) de preços e de níveis de armazenamento dos reservatórios projetadas para cada ano. Ajustes nas bandas podem ser promovidas com antecedência para que seus efeitos ocorram nos exercícios seguintes.

O resultado dessa política de bandas de preço e reservatório permitiria de forma direta a:

dar uma maior previsibilidade de preço a cada ano;
reduzir a geração de termelétricas caras;
impedir a imposição de perdas aos consumidores que por algum momento tenham sua demanda retraída seja por razões de mercado ou paradas não programadas;
dar estímulos econômicos corretos as indústrias que tenham na energia um insumo relevante;
criar um horizonte menos instável para liquidação de excedentes das distribuidoras.

Cuidados associados a minimização de probabilidade de vertimentos devem ser tomados na operacionalização do mecanismo proposto. Neste sentido, propõe-se que a energia armazenada na “bateria virtual” seja alocada nos reservatórios do sistema com maior capacidade de regularização, isto é, aqueles localizados nos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste.

Ressalta-se que mesmo com os cuidados nesta alocação de modo a minimizar chances de vertimentos, estes podem ocorrer, constituindo-se em risco a ser assumido pelo governo, precificado pela diferença dos preços de venda e de compra da energia pelo governo.

Ressalta-se que com a redução da carga devido aos efeitos da COVID-19, cuidados devem ser tomados no sentido de não se misturar eventuais vertimentos devido a esta conjuntura da carga de energia com vertimentos associados ao mecanismo proposto.

Neste sentido, sugere-se que vertimentos só devam ser associados ao mecanismo quando do retorno da carga a patamares pré COVID-19.

É importante que se dê atenção a alguns pontos associados ao arcabouço vigente, para que não se agrave alguns dos atuais problemas. Em particular, eventuais impactos no GSF devem ser mais bem avaliados. Contudo, a princípio, o mecanismo proposto não afetaria o GSF, uma vez que se pode considerar que no período úmido a energia hidrelétrica seria de fato gerada para atender a demanda (virtual) do agente governo, que armazenaria esta energia em sua “bateria virtual”.

De forma análoga, o mecanismo proposto, a princípio, não criaria Encargos de Serviço do Sistema, uma vez que a demanda (virtual) do agente governo durante o período úmido faria com que as usinas térmicas fossem despachadas por mérito econômico.

Os efeitos na contração da demanda de energia causados pela COVID-19 estão afetando o mercado de energia elétrica, na ordem de uma queda no consumo de 15%.

A tragédia sanitária que impacta diretamente a ordem econômica e social, abre e ilumina o quarto escuro da ausência de planejamento de uma política de reservatório e preço do Setor Elétrico Brasileiro.

Se nada for feito, os custos e a desordem econômica terão um alto preço a ser pago pela sociedade como um todo, seja por impulsionar a quebra de empresas geradoras e consumidoras do mercado livre, como também destruir o caixa das distribuidoras de energia. E hora de mais criatividade e menos conservadorismo.

(Fonte: Poder360)

Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Pedro Arthur Pedras é empresário, sócio-fundador e diretor da Ponte Nova Energia, economista, pós-graduado pela COPPEAD/UFRJ.