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Adriano Pires para o Estadão.

(Foto: Tonton/Shutterstock)

A indústria do gás natural tem sido uma das protagonistas nas discussões, reflexões e adivinhações sobre o mundo pós pandemia. As razões para isso começam bem antes desse momento cisne negro que vive o mundo. O grande problema do gás natural era sua logística. No passado a única forma de transportar o gás era através de gasodutos e isso tornava uma série de reservas economicamente inviáveis. Por exemplo, as reservas na África e mesmo aumentar a produção em países como o Catar. Isso foi resolvido com a tecnologia de liquefação do gás. A partir daí o gás passou a ser liquefeito colocado dentro de um navio entregue no país consumidor onde será regaseificado ou consumido na forma liquida. Consequência, ocorreu um grande aumento a oferta de gás e o início de uma queda nos preços. Em 2000 surge uma outra grande novidade a produção de shale gas no mercado americano, que acabou transformando o país no maior produtor e exportador de gás do mundo. Com isso, a oferta de gás cresce mais ainda e provoca uma queda maior no preço. Esse aumento da oferta provocado por novas tecnologias faz do gás definitivamente a energia da transição em escala mundial. Com a pandemia esse conceito de energia transição ganha corpo e o gás passa a ter protagonismo no mundo pós pandemia.

E o Brasil? Aqui, ainda que de forma atrasada, estamos tentando transformar o gás natural num protagonista da nossa matriz energética. O momento é muito bom, grande oferta no mercado internacional, podemos dobrar a produção nacional em dez anos e a Petrobras está deixando de ser a empresa monopolista. Falta o Brasil transmitir ao investidor estabilidade regulatória e segurança jurídica. E isso, deveria começar com a chamada Lei do Gás, que foi recentemente aprovada na Câmara Federal e agora se encontra no Senado. Dois pontos importantes são tratados no texto da Lei sem a devida atenção e conhecimento do mercado de gás. O primeiro é que o gás natural brasileiro é quase que totalmente do tipo associado, ou seja, produzido inevitavelmente junto com o óleo. Uma vez que a queima do gás é proibida pela legislação, o produtor tem como alternativas sua reinjeção ou seu aproveitamento comercial. O custo da produção de gás offshore é sempre muito elevado, pois além de exigir equipamentos caros e pesados, o que encarece o investimento na unidade de produção, nossos campos estão muito distantes do litoral, tornando a logística de transporte também muito cara. Para os produtores a melhor opção, do ponto de vista econômico, seria a reinjeção como método de elevação artificial, aumentando a produção do óleo do campo. Porém existe um limite a partir do qual o gás produzido junto com o óleo terá que ser tratado e enviado à terra a qualquer custo, ou seja, esse gás é um produto marginal, só é produzido para viabilizar a extração do óleo. Como qualquer produto marginal, seu preço é dado pelo mercado e não formado por custo mais margem. Outra característica do gás natural é que, diferente do óleo, não é “tradable” na sua forma original. Necessita ser liquefeito para poder ser exportado e dessa forma o nosso gás não tem competitividade no mercado internacional.

O segundo é que, em países onde a infraestrutura é ainda incipiente, a exemplo do Brasil, a questão de conceitos como o do livre acesso e da abertura das indústrias de rede à concorrência perde muito em relevância, no curto e no médio prazos. Isto porque, nestes contextos, a discussão prioritária deveria se concentrar na criação das pré-condições necessárias à construção das redes (dutos, no caso da indústria do gás), onde o fator preponderante passa a ser a mitigação dos riscos envolvidos na montagem dos novos projetos. Entretanto, essa questão da expansão da infraestrutura não é tratado de forma adequada no texto da Lei do Gás. Portanto, parece que no Brasil ao não enfrentarmos com as devidas soluções o fato de sermos um produtor de gás natural associado e de não termos uma infraestrura que permita um crescimento da oferta do gás em escala, deixará o país distante do que está acontecendo no mundo. Ou seja, por aqui corremos o risco do gás não ser protagonista, nem tão pouco a energia da transição. A conferir.

(Fonte Estadão)

Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).