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É fantasiosa a afirmação de que com a energia injetada no sistema pela GD, distribuidoras não comprariam das térmicas

Por Adriano Pires e Pedro Rodrigues para o Valor Econômico.

(Foto: Silvia Costanti/Valor)

O debate sobre a taxação do sol vem trazendo à mesa uma série de afirmações e propostas sem qualquer compromisso com a chamada honestidade intelectual. Aliás, o slogan “Taxar o Sol” é tão inteligente e mentiroso quanto o famoso “O Petróleo é Nosso”. Não existe nenhuma proposta de taxação do sol, assim como o petróleo nunca foi nosso. Na verdade, as propostas em estudo pela Aneel seguem a tendência da maior parte dos casos bem sucedidos na regulação da Geração Distribuída (GD) no mundo.

Caso a proposta apresentada pela Agência fosse aplicada, ao contrário do que muitos falam e escrevem, as taxas de retorno da GD ainda continuariam muito atrativas, na casa dos 16% para os usuários que geram energia no mesmo local de consumo. Desafio qualquer pessoa a entrar em um banco de investimentos e pedir um portfólio com um rendimento garantido desse tamanho.

Proposta traz segurança para consumidores que já possuem GD, ao estender regras previstas dos atuais contratos

É preciso também levar em consideração que a realidade socioeconômica brasileira é bastante distinta de países como os EUA, a Austrália e o Japão, o que nos traz uma grande obrigação quanto à busca por tarifas de energia mais baratas, reduzindo as quantidades de tributos e subsídios, beneficiando os consumidores.

A Aneel nunca anunciou taxar o sol, apenas abriu Consulta Pública para discutir a Resolução que trata da Mini e Micro geração, que tinha previsão de ser revisada desde a sua publicação em 2015.

A proposta, na verdade, protege a maior parte dos consumidores de energia elétrica que não tem recurso para instalar sistemas de painéis solares e que atualmente estão financiando os micro, minigeradores e fazendas solares. As estimativas da Aneel apontam que em 2021 esse subsídio cruzado chegará a R$ 1 bilhão e em 2027 esse valor chega a R$ 4 bilhões.

Os estudos apresentados na Abertura da Consulta Pública nº 25/2019 apontam que o tempo de retorno do investimento em GD passaria dos atuais 4,5 anos para 6,5 anos, sendo que a vida útil dos painéis é de 25 anos.

É completamente absurda e fantasiosa a afirmação de que com a energia injetada no sistema pela GD, as distribuidoras deixariam de comprar energia das termelétricas. A maior injeção de potência de GD nas redes não se reverterá na redução de geração termelétrica. A operação do sistema elétrico, realizada pelo ONS, utiliza a geração hidrelétrica para absorver as incertezas entre a operação em tempo real e a programada. Logo, a inserção de GD desloca a geração hidrelétrica, fonte cujo potencial energético também é renovável.

Na realidade o uso da energia solar causa exatamente o efeito contrário, aumentando a necessidade do uso de energia de geração termelétrica pelo sistema. Isso acontece porque a energia solar, apesar de suas inegáveis qualidades, é intermitente. Ou seja, quando uma nuvem cobre o Sol, ou quando anoitece, o sistema precisa de energia “firme” para atender a carga, papel este exercido principalmente por hidrelétricas e termelétricas.

O pesquisador Scott Burger, do MIT Energy Iniciative, avaliou o impacto do aumento do uso de GD para os demais consumidores, levando em consideração diferentes tipos de renda. Ele aborda que existe o custo rateado por todos os consumidores, portanto uma redução marginal do que é consumido não irá necessariamente reduzir os custos de todo o sistema. Significa na verdade que, quando alguém que possui telhado solar paga menos, algum outro consumidor, que não possui painel solar, pagará mais.

Os dados analisados pelo pesquisador demonstram que a instalação de painéis solares está diretamente ligada à renda das pessoas. Sendo assim, consumidores com maior poder aquisitivo, possuidores dos painéis solares, acabam contribuindo menos com os custos fixos da rede. Portanto, quanto menos contribuem, mais os custos fixos são realocados para os consumidores de menor renda que não possuem painéis solares.

Em razão desse tipo de subsídio, o Estado americano da Califórnia, por exemplo, possui a tarifa cerca de 80% mais cara do que a média dos outros Estados americanos. É essa a referência que queremos para o Brasil?

Estudo do Professor Frank Wolak, da Universidade de Stanford, estimou um aumento de 2/3 dos custos de distribuição na Pacific Gas and Electric in California, entre 2005 e 2016, devido ao aumento dos telhados solares.

Não é apenas a questão da transferência de custos de quem possui mais renda para quem possui menos renda. A discussão é a transferência de determinados custos de quem opta por um telhado solar para quem não tem. Nessa discussão que precisamos manter o nosso foco aqui no Brasil.

Do ponto de vista regulatório, não tem o menor sentido se falar em “instabilidade normativa”. No caso da proposta de revisão da Resolução 482, a Aneel anunciou em 2015 que faria uma revisão da norma em 2019, visando equilibrar a alocação de custos aos consumidores. O tema foi contemplado na agenda regulatória da Aneel para o biênio 2018-2019, publicada em dezembro de 2017. Posteriormente, a revisão consta da Agenda Regulatória da Aneel para o biênio 2019-2020, publicada em dezembro de 2018. Nessa revisão todo o processo foi submetido a uma longa e ampla consulta pública, iniciada formalmente em 30 de maio de 2018, observando a previsibilidade e a transparência. Tanto é que decisão alguma foi tomada até agora pelo órgão regulador, que está hoje na fase de análise das contribuições recebidas da sociedade.

A proposta apresentada pela Aneel traz segurança para os consumidores que já possuem GD, ao estender as regras previstas nos atuais contratos. As mudanças viriam para futuras instalações. Portanto, é mentiroso o argumento de que qualquer mudança nas regras irá causar “instabilidade normativa”.

Não é demonizando a agência reguladora que iremos atingir a tão necessária e desejada estabilidade regulatória e jurídica. Os consumidores de energia no Brasil já foram vítimas de teses populistas que só contribuíram para o aumento das tarifas e essa história de taxar o sol é mais uma delas. E nesse debate a Aneel busca o equilíbrio entre os agentes do setor elétrico e demonstra preocupação com a situação dos consumidores brasileiros de menor poder político que não aguentam mais pagar subsídios na tarifa de energia elétrica.

(Fonte: Valor)

Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Pedro Rodrigues é sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura e sócio fundador do CBIE Advisory.