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Adriano Pires e Fernanda Delgado, para o Poder360

Brasil precisa quebrar o monopólio para avançar no setor energético

A Petrobras tem mandato para maximizar o valor para o acionista, o que aumenta a responsabilidade do Estado e da agência reguladora, no caso a ANP (Foto: Sérgio Lima/Poder 360)

Transição energética: full steam ahead

A necessidade energética crescente no mundo capitalista contemporâneo ocidental é notória. No caso dos países em desenvolvimento, com setores essenciais ainda a serem desenvolvidos e que vão demandar mais energia, esta máxima é ainda mais premente. A EIA (Agência de Energia dos Estados Unidos) projeta que o consumo de energia global deve crescer 28% entre 2015 e 2040.

Mesmo os países desenvolvidos estão investindo na inovação e eficiência para tentar reduzir a energia consumida por PIB per capita, ou de outra forma explorando novas fronteiras energéticas para suprir a demanda futura.

Nessa linha, os EUA saíram à frente e atacaram com toda força o desenvolvimento dos seus recursos não convencionais de gás natural, shiftando toda geopolítica mundial do petróleo ao reduzirem sua demanda por hidrocarbonetos importados e passarem, em poucos anos, à condição de exportadores.

Claro que esta análise deve levar em conta o modelo de negócios norte-americano, fundamentado na livre concorrência, na posse privada do subsolo, da disponibilidade de fontes de investimentos e, ainda, na presença de uma extensa e espraiada rede de gasodutos capazes de conectar os centros de produção de gás com seus consumidores.

A partir disso, o fraturamento hidráulico e a produção de shale gas nos Estados Unidos hoje são responsáveis por 68% da produção do país. O volume é 6 vezes maior que o total de exportações de gás natural daquele país. Representam também 700 mil poços perfurados, quase 2 milhões de empregos gerados e uma quantidade enorme de riqueza em impostos, taxas e reverberação econômica por toda cadeia produtiva.

Para além disso, os EUA usam sua força político-econômica para embargar Irã e Venezuela do mercado internacional de petróleo, colocar pressão no acordo de fornecimento de gás do Rússia para a Europa Ocidental, cientes de que sua produção crescente baseada no shale gas será uma constante nas próximas décadas.

A realidade é que existem restrições técnicas ainda intransponíveis para as fontes renováveis atingirem níveis de eficiência de geração e armazenamento para substituírem hidrocarbonetos no curto prazo. Na busca por uma nova matriz energética com maior participação de renováveis e redução do consumo de combustíveis fósseis, o gás natural tem sido utilizado como um energético de transição.

Apesar de ser impossível replicar no Brasil o modelo norte-americano de produção de gás natural (e de influência geopolítica mundial), algumas lições e considerações precisam ser trazidas à discussão de forma a que o país não perca outra janela de oportunidade, à guisa do que ocorreu com a ausência de leilões de áreas de exploração entre os anos 2006 e 2013.

Com a única exceção do Leilão de Libra em 2013, o Brasil só voltou mesmo a ter um cronograma da ANP (Agência Natural do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) para rodadas de licitação com campos do pré-sal em 2017, resultando em praticamente 10 anos de mercado de óleo e gás estagnado.

O Brasil não perde oportunidade de perder oportunidade. Temos muitos mitos no Brasil sobre a necessidade do monopólio no setor de óleo e gás. Vimos nos últimos 5 anos como a crise financeira da Petrobras atrasou o desenvolvimento da nossa indústria. Nos fez suprir a demanda por energia na forma de combustíveis com muita importação de derivados de petróleo e GNL (gás natural liquefeito).

Monopólio não é bom para o país, porque é o monopolista que dita o ritmo do mercado… não temos tempo pra isso. A transição energética não vai esperar o Brasil. Em algumas décadas os renováveis vão substituir os hidrocarbonetos como fonte de energia e nosso país corre o risco de ficar para trás tecnologicamente. Este monopólio não beneficia a sociedade.

A Petrobras tem mandato para maximizar o valor para o acionista, o que aumenta a responsabilidade do Estado e da agência reguladora, no caso a ANP.

Mais importante que a intervenção discricionária governamental é o regulador forte, para que as decisões sejam de interesse da sociedade e não das necessidades de curto prazo de governos que não privilegiem o planejamento de longo prazo.

O custo do não aproveitamento dos recursos energéticos é pago pela sociedade, por exemplo, quando esta arca com energéticos, gás natural e eletricidade, ao mesmo tempo elevados e com riscos de desabastecimento. Há que se incentivar a competição no setor de energia. Onde há competição, os preços convergem para a paridade internacional.

Do jeito que está, estamos deixando passar muitas oportunidades de aproveitar nossos recursos naturais, como o gás do pré-sal. O mercado brasileiro de gás natural ainda é bastante incipiente, com demanda total de 79 milhões de m³/dia em 2018 e uma malha de transporte muito pequena, de só 9.000 km². Para comparação, a Argentina, país com 1/3 da área territorial brasileira, possui uma malha de gasodutos de transporte de 17.000 km².

O Brasil age como um país rico e abre mão da exploração deste recurso de transição energética. De forma não pragmática, colocam-se empecilhos para uma reforma legal e regulatória para desenvolver o mercado de gás. Falta pragmatismo e racionalidade nas nossas escolhas, acabamos importando GNL enquanto temos reservas enormes gás no nosso próprio solo, seja no Pré-sal ou em reservatórios não-convencionais nunca explorados.

Ao comprarmos GNL importado, geramos royalty nos EUA, além de empregos e recursos para desenvolvimento tecnológico naquele país. São dezenas de milhares de poços perfurados nos EUA por ano e há um total de quase 1 milhão de poços produzindo; destes, cerca de 700 mil fraturamentos ou poços fraturados.

Será que os riscos do fracking não foram mitigados? Depois de duas décadas de crescimento em escala industrial, será que não podemos também adotar controles semelhantes para exploração de gás não-convencional?

O Brasil tem perto de 7.000 poços produzindo óleo e gás de um total de 30.000 perfurados em toda nossa história. Está claro que há espaço para incentivarmos nossa indústria de exploração de óleo e gás.

A indústria americana deveria servir de exemplo para o Brasil, de como lidar com as perspectivas de crescimento da demanda a partir da viabilidade de novas reservas. Independente das restrições impostas, precisamos aproveitar a todo vapor as oportunidades de avanço que surgirem.

(Fonte: Poder360)

Adriano Pires

Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), Mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Atua há mais de 30 anos na área de energia.

Fernanda Delgado

Fernanda Delgado, 45 anos, é professora e coordenadora de pesquisa na FGV Energia. Doutora em planejamento energético, tem 2 livros publicados sobre petropolítica e é pesquisadora afiliada à Escola de Guerra Naval e à Escola Superior de Guerra.