Gás natural precisa de novas perspectivas regulatórias, diz Adriano Pires
Adriano Pires, para o Poder360
Em um cenário global de transição energética, o gás natural tem ganhado importância por ser um energético com menor emissão de gases do efeito estufa em comparação com o carvão e os derivados de petróleo. O Brasil tem uma oportunidade única em mãos, a partir da exploração de grandes reservas no pré-sal, capazes de dobrar a produção nacional nos próximos 10 anos.
Entretanto, esse potencial ainda não refletiu no papel do gás natural dentro da matriz energética nacional, sendo responsável por 13,2% da oferta interna total e apenas 7,4% do consumo final. A principal limitação é a insegurança jurídica e regulatória. Sendo assim, urge a necessidade de se conduzir reformas para promover a concorrência e garantir um ambiente que atraia investimentos.
As discussões em torno de um novo marco legal começaram com o PL (projeto de lei) 6.407/2013, seguido pela iniciativa Gás para Crescer, que resultou no PL 6.102/2016. Desde então, os próprios agentes do setor têm encontrado dificuldade para chegar a um acordo mínimo sobre uma legislação que determine novas regras para o mercado.
A solução adotada pelo governo de Michel Temer para contornar esse impasse foi agir por meio de medidas infralegais. Em 2016, o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) publicou a Resolução nº 10 e, posteriormente, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) publicou as NT (Notas Técnicas) 004/2017-SCM e 004/2018-SIM.
Em outubro de 2018, a ANP enviou ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a NT nº 14/2018, que propõe medidas para promoção da competitividade no setor, por meio da redução da concentração nas mãos da Petrobras. O documento propõe: (i) isonomia no acesso às infraestruturas essenciais; (ii) desverticalização das etapas de distribuição e transporte, que são monopólio naturais; (iii) limitação da contratação de capacidade do Gasbol pela Petrobras e (iv) ampliação da oferta de gás natural, assegurando concorrência entre os ofertantes.
Em dezembro, o governo publicou o Decreto nº 9.616/2018, que alterou o Decreto nº 7.382/2010 e regulamentou alguns Capítulos da Lei do Gás (Lei nº 11.909/2009).
Dentre as novas atribuições conferidas à ANP pelo decreto estão: a aprovação das tarifas de transporte, que serão propostas pelo transportador, e a definição dos critérios de autonomia e de independência para o transporte de gás natural, limitando a atuação de empresas presentes em outros elos e buscando a desverticalização. Ficou definido o regime de contratação de capacidade por meio do modelo de entrada e saída, o que é bem-vindo para promover a concorrência.
O decreto garante segurança jurídica à ANP para aperfeiçoar a regulação do setor. É esperado que a agência atue por meio de resoluções, tendo como base o decreto e as propostas apresentadas na NT 14/2018. Portanto, ao invés de gastar energia discutindo o PL que se encontra na Comissão de Minas e Energia da Câmara, o mais correto seria trabalhar junto à ANP na elaboração dessas resoluções.
Outro fator que vai mudar a cara do setor é a sinalização da nova gestão da Petrobras de que irá manter e até intensificar o plano de desinvestimentos proposto no Plano de Negócios e Gestão (PNG) 2019-2023. O processo se iniciou com as vendas de 49% da participação na Gaspetro para a Mitsui, em 2015, e 90% da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) para a Brookfield, em 2017.
Esse movimento deve continuar com a venda da TAG (Transportadora Associada de Gás) e uma possível venda das participações atuais da empresa na Gaspetro e na TBG (Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil).
O panorama composto das novas resoluções da ANP junto com a nova cara da Petrobras após os desinvestimentos vai criar uma situação totalmente diferente para o setor. Diante desse quadro, deve-se reavaliar a necessidade ou não de um novo PL. Com certeza o atual, que está na Comissão de Minas e Energia, não vai refletir mais as necessidades do setor.