O DESAFIO É ELEGER O CONSUMIDOR
No governo Temer ocorreram avanços no setor de energia elétrica. Merecem destaque os leilões de transmissão; os de geração; a coragem de propor a venda das distribuidoras do Norte e Nordeste e a privatização da Eletrobrás; e iniciar o debate no Congresso sobre mudanças no modelo do setor. Aliás, é bom chamar a atenção que a recente privatização da Cepisa derrubou o mito ou a mentira de que a privatização leva sempre a aumento da tarifa. A venda da Cepisa assegurou uma redução de 8,5% das tarifas no Estado do Piauí.
Mas o caminho que nos levará a reduzir as tarifas, a melhorar a qualidade da energia, a ter segurança no abastecimento e riscarmos do mapa o fantasma de apagão passa por eleger o consumidor como alvo principal da política energética baseada nos 3 Ds: descarbonização, descentralização e digitalização.
A gestão do setor elétrico nos últimos anos tem se caracterizado por adotar uma política e um planejamento em que toda a conta é sempre paga pelo consumidor. Por isso, vemos na maior parte do tempo a adoção da bandeira vermelha, despacho de térmicas a óleo caras e poluentes e a constante ameaça de apagões, consequentemente, tarifas elevadas. Não dá para ter aumentos de dois dígitos nas tarifas com uma inflação de 3,5%. Só não vivemos períodos de racionamento porque o desempenho da economia brasileira tem sido muito ruim. Caso o Brasil volte a crescer algo como 1,5% teremos dificuldade na oferta de energia.
Na implantação da agenda da modernidade será preciso efetuar mudanças na EPE, ONS e CCEE. Com uma maior presença de empresas privadas, é preciso que a EPE, ONS e CCEE tenham um menor grau de participação e ingerência do governo. Hoje as três são chapas-brancas e para que isso mude é necessário uma evolução da governança do setor elétrico. Não faz sentido empresas privadas terem uma participação faz de conta nessas três entidades.
A perda da capacidade de regularização dos reservatórios das hidrelétricas, dada a entrada das novas usinas a fio d’água, e a forte expansão das fontes renováveis intermitentes, como eólica, biomassa e solar, tornarão a operação do Sistema Interligado Nacional (SIN) cada vez mais complexa. O ONS terá um trabalho cada vez mais difícil em coordenar quais usinas irão despachar mantendo a segurança energética e a modicidade tarifária, para isso é essencial o crescimento de térmicas a gás natural, em particular no Nordeste.
O modelo atual já não reflete as novas condições do sistema elétrico e as alterações feitas nos últimos anos tentaram apenas equacionar problemas de curto prazo, não mudando as formas de remuneração/tarifação do despacho. A falta de flexibilidade não corresponde aos novos tempos. O resultado disso é que nos últimos anos, para evitar problemas na oferta de energia, ocorreu com uma frequência cada vez maior o despacho de usinas termoelétricas a óleo antigas, caras e poluentes, que já poderiam ter sido substituídas por gás natural. Essa demora em colocar térmicas a gás natural, em particular, no Nordeste mantém a bandeira vermelha e deixa a região dependente da Sudeste, o que significa pouca segurança energética.
Atualmente, parte significativa da geração hídrica deve ser poupada por fontes substitutas, com destaque para o gás natural, de modo a garantir a manutenção dos reservatórios e servir como uma espécie de seguro das fontes renováveis intermitentes.
Novos sistemas de operação da rede, novos modelos de negócios, novas modalidades de financiamentos e novas tecnologias deverão estar presentes no desenho do novo modelo do setor elétrico.
Desta forma, o melhor de cada fonte energética poderá ser explorado adequadamente, dentro do novo paradigma tecnológico que veio com a política dos 3 Ds. O desafio é eleger o consumidor como foco dessa da nova política energética a ser implantada no Brasil. É preciso um maior diálogo entre as empresas de todo segmento da indústria elétrica com o consumidor dividindo os riscos e os benefícios.
Adriano Pires, O Estado de S.Paulo
11 Agosto 2018 | 04h00