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Proposta do governo está mais para um novo programa social do que uma reforma real do setor, que carece de reformulações estruturais

Articulista afirma que a reforma apresentada parece tímida do ponto de vista do tratamento de questões estruturais e do novo cenário energético, com IA e data centers em expansão; na imagem, conta de luz.

O MME (Ministério de Minas e Energia) apresentou formalmente a tão aguardada reforma do setor elétrico (MP 1.300 de 2025) em 21 de maio. As principais medidas foram apresentadas em 3 eixos: 

  • justiça tarifária;
  • liberdade para o consumidor;
  • equilíbrio para o setor.

A proposta do 1º eixo é revisar a tarifa social, com impactos para 17 milhões de famílias –cerca de 60 milhões de pessoas (28,2% da população do Brasil). Destas, um total de 4,5 milhões de famílias (16 milhões de pessoas) com consumo de até 80 kWh/mês terão a conta zerada. 

Aqueles que consomem até 120 kWh por mês e com renda de meio a 1 salário mínimo, um total de 55 milhões de pessoas, terão uma isenção para o pagamento do encargo setorial CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Nesse caso, os beneficiados terão um desconto de 11,8% nas contas de luz.

Não se discute a importância de se prover ajustes de cunho social para aliviar o peso dos custos de energia no bolso de famílias de menor renda. Porém, vale a velha máxima: “Não existe almoço grátis”. 

Pela proposta da MP, zerar a conta de luz e dar desconto para um grupo de consumidores levará ao aumento dos custos de energia elétrica para consumidores da classe média, bem como industriais e comerciais. Sem espaço fiscal no Orçamento para a política social, a saída foi empurrar o custo para o bolso de outros consumidores. 

Considerando-se dados da CDE 2025, a tarifa média nos submercados Norte/Nordeste e Sul/Sudeste/Centro-Oeste é, respectivamente, de R$ 33,97/MWh e R$ 58,44/MWh. Os modelos do Cbie apontam para uma CDE de R$ 55,8 bilhões em 2026, influenciados pelo aumento de R$ 3,6 bilhões calculados pela MP para as novas ações de justiça tarifária. 

Nesse cenário, estimamos um aumento de 20,6% na Tusd de consumidores industriais, atingindo R$ 70,45 o MWh nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Para consumidores de baixa e média tensão, projetamos impacto médio de 3,41% sobre as tarifas de energia. Ou seja, a conta de luz ficará mais cara para a classe média e o setor produtivo.

A proposta do 2º eixo, busca promover a competição no mercado de energia elétrica por meio da liberdade de escolha do fornecedor de energia elétrica. Assim como na telecomunicação, será possível a portabilidade da conta de luz para consumidores de baixa tensão industriais e comerciais a partir de 1º de agosto de 2026 e demais consumidores a partir de 1º de dezembro de 2027.

Com isso, será criado um encargo para cobrir custos relacionados à sobrecontratação e à exposição involuntária das distribuidoras. Além disso, passam a existir tarifas com novas opções horárias, binomiais, fixas e pré-pagas, além da criação do SUI (Supridor de Última Instância). Também vão ser eliminados os descontos no fio para comercialização de energia incentivada. 

Em relação à abertura total do mercado de energia, a MP não trouxe uma preocupação com possíveis impactos regulatórios para as distribuidoras. Principalmente em relação aos encargos de custos de sobrecontratação e exposição involuntárias de distribuidoras, o que na literatura internacional chamamos de “legacy costs” ou “energy security costs”.  

O 3º eixo, sobre o equilíbrio setorial, incluiu os consumidores livres no rateio de uma série de custos anteriormente circunscritos ao mercado regulado, como as cotas de Angra 1 e 2 e o pagamento da CDE relacionada aos incentivos dados para a geração distribuída. Também foram distribuídos de forma volumétrica o rateio do pagamento dos encargos da CDE independentemente do nível de tensão. 

Porém, parece-nos que os impactos, em particular na indústria, não foram avaliados adequadamente na presente reforma. Nossos modelos apontam para um aumento de 97,8% na Tusd de consumidores livres, o que, considerando o fim da energia incentivada, acarretaria um aumento de 51,9% no mercado livre. 

Uma mudança bem-vinda e necessária foi a alteração na definição de autoprodutor de energia para coibir arranjos entre geradores e consumidores que hoje se beneficiam de incentivos setoriais. 

A MP acerta ao excluir gradativamente os subsídios setoriais, com exceção dos de renda, assim como melhor alocar os riscos e custos setoriais entre os agentes do mercado. Porém, esquece de questões estruturais sem as quais não se fará a reforma que o setor elétrico tanto precisa. 

Estão ausentes da MP temas de enorme importância, como formação de preços de mercado, alocação dos riscos e impactos de curtailment, remuneração adequada para serviços ancilares, planejamento de oferta contemplando menor distância entre consumo e carga, potência e energia, assim como resposta da demanda e medidas de eficiência energética. Também não vemos na MP uma preocupação, nem uma estratégia, diante das mudanças que estão sendo colocadas pela 4ª revolução industrial: inteligência artificial e proliferação de data centers, mineração de bitcoin e computação quântica.

Concluindo, a reforma apresentada parece tímida do ponto de vista de tratamento de questões estruturais e mesmo do novo cenário energético, que vive não só o Brasil, mas o mundo. A MP está mais para um novo programa social do que uma reforma estrutural do setor de energia elétrica. Políticas sociais devem ser feitas com os recursos do Orçamento da União, e não com o dinheiro dos consumidores. 

Publicado originalmente pelo Poder360.