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O mundo pós pandemia vem se tornando um lugar curioso onde avançam as posições radicais, o “nós contra eles” e atitudes e políticas que transitam entre o bizarro e o surreal.

A hipocrisia é a nova regra, a coerência e a competência, viraram uma exceção.

O combate à COVID-19 tem oferecido uma série de exemplos: podemos viajar apertadinhos no avião entre Rio e São Paulo — janela, meio e corredor lotados —, mas não podíamos, até pouco tempo atrás, ir assistir a um filme ou peça de teatro.

Praias lotadas. Restaurante? Só com reserva e com talheres embalados em quilos de plástico. Nos feriados, engarrafamento de quilômetros, dá a impressão de que todos já tomaram a vacina e estão imunizados. Mas, essa vacina só imuniza na praia, no bar, nos churrascos em casa de amigos e nas casas alugadas no Nordeste para as festas do final de ano. O vírus só continua existindo nas empresas, nos escritórios e nas escolas. Ali é preciso cumprir o isolamento. Estamos enganando a quem?

E o home office? Virou outra grande discussão polarizada. Quem questiona sua eficácia é contra a modernidade ou contra as novas relações de trabalho “descobertas” pela pandemia. A adoção do home office e a tal procura pela melhor qualidade de vida está levando a uma maior procura por residências mais afastadas dos centros urbanos. A contradição é que isso levará a um uso maior do automóvel e um consumo maior da gasolina. Mas, não somos todos ESG (Environment, Social, Governance)?

Por falar em gasolina, o petróleo virou o grande vilão dando margem a radicalizações e contradições. Em 2013, as petroleiras Total (francesa), BP (inglesa) e a Petrobras ganharam, numa licitação, o direito de explorar petróleo e gás na Foz do Amazonas. Mais precisamente no Amapá dos apagões. De lá para cá, não conseguiram furar um poço sequer por não conseguirem as licenças ambientais do IBAMA. Recentemente, durante a pandemia, a Total desistiu definitivamente do projeto. E o Amapá ficou sem o gás que poderia gerar energia e sem os royalties que poderiam ajudar na melhora na qualidade de vida dos amapaenses.

Mais alguns paralelos acima, na Guiana Francesa — que fica “em frente” à Foz do Amazonas e que também pertence à chamada Amazônia legal — o governo francês permitiu a exploração do petróleo e a Exxon Mobil já anunciou reservas provadas de 5 bilhões de barris. Fica assim: na Foz do Amazonas não pode, mas na Guiana Francesa pode.

Mas a melhor de todas, veio do presidente do México, Antonio Manuel López Obrador. Ele anunciou que, daqui para frente, o México só vai produzir petróleo para atender o seu consumo interno (nada de exportar o ouro negro). O motivo: o presidente quer “deixar as grandes reservas de óleo e gás para as gerações futuras de mexicanos.” É um visionário!

Em Londres, o grupo Extinction Rebellion, durante a pandemia, fez piquetes para impedir a saída dos caminhões que entregam os jornais de Rupert Murdoch. “Se vocês não vão escrever sobre a mudança climática, não vão escrever nada então”, diziam, na essência. Em Paris, a prefeita Anne Hidalgo, anunciou que a cidade vai ser 100% dos ciclistas. Os estacionamentos serão transformados em ciclovias, e os automóveis (e mesmo os transportes coletivos como os ônibus e táxis) terão cada vez mais dificuldades de circular na capital francesa.

Coitada da maior parte da população de Paris e dos turistas que frequentam a cidade: tanto uns quanto outros são majoritariamente da terceira idade, e depois de velhos terão de aprender ou a reaprender a andar de bicicleta, correr o risco de quebrar a bacia, ou simplesmente ter que se deslocar a pé.

E como a pandemia é o espelho final da grande caricatura em que o Brasil e o mundo se tornaram, recentemente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que o Tribunal de Justiça de São Paulo encaminhe a um de seus magistrados um funcionário exclusivo para ajudá-lo no home office. Detalhe: a decisão é que o TJ providencie alguém que “já tenha sido infectado pela COVID-19 e esteja recuperado da doença”.

Onde vão encontrar tantos funcionários curados?

Francamente, a hipocrisia que assola o mundo é uma pandemia sobre a qual, parece que nunca teremos vacina.