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Salvar vidas deve ser nosso norte

Políticas devem convergir para isso

Adriano Pires e Duque Dutra para o Poder360.

Novo coronavírus traz desafio sem precedentes ao mundo moderno (Foto por Fusion Medical Animation no Unsplash)

Em apenas 3 meses, um vírus antes desconhecido foi capaz de paralisar, país após país, o mundo inteiro. Trata-se do ser mais simples existente sobre a Terra, de acordo com a microbiologia. Nem célula possui. Contudo, até aqui, o titânico esforço de pesquisa não revelou sua patogenicidade, palavra difícil que nos diz como causa dano ao corpo humano. Sem conhecer sua estratégia invasora, o tratamento se faz às cegas, por tentativas. Também não existe vacina. A ciência não pode tudo, tem tempo distinto e caprichos próprios. Assim como os deuses gregos, ela não é previsível.

Mas, foi exatamente a ciência moderna que venceu o obscurantismo medieval e afastou o divino da realidade. Ela assentou solidamente a engenharia que construiu estruturas (estradas, pontes, túneis e cidades) e meios (trens, carros e aviões) que, por sua vez, viabilizaram o adensamento e a mobilidade em padrões nunca antes imaginados. A crença na prosperidade permanente, no progresso contínuo, na ascensão social de geração em geração, a certeza do futuro melhor que o passado… esses sentimentos resultaram da Revolução industrial. Desde então, a soberba de pesquisadores, empresários e políticos não encontrou limites.

Contudo, à medida em que o vírus se propaga, que se reproduz numa curva exponencial de cidade em cidade, as certezas caem por terra como castelos de cartas, num efeito dominó sem fim. Os Estados Unidos já têm mais infectados e mortes que a China. Sem outra solução à vista, a virulência e transmissibilidade são mitigadas como no passado distante: isolam-se os vulneráveis, identificam-se os infectados e cremam-se os corpos; além do que aprendemos em termos de higiene, distanciamento e confinamento no combate ao inimigo invisível e incontrolável. Enquanto isso, as estruturas econômicas, redes de negócio, relações sociais e o cotidiano dos indivíduos se desfazem, ou pelo menos, encontram-se em suspensão –uma grande parada.

Diferente do que foi visto após a Revolução industrial, a origem da crise não é política, nem econômica. Não decorreu de um evento natural extremo (terremoto, seca, furacão, ou tempestade), embora também não fosse previsível. Certo é que o vírus atingirá o mundo todo no decorrer deste semestre, fechando fábricas, parando cidades, enclausurando as famílias e fazendo vitimas. Entre 1/10 e 1/5 do PIB mundial será perdido e ninguém sabe o que disso virá, nem por quanto tempo durará. Entre uma crise redentora, ou revolucionária, diversos cenários são possíveis; isso se não ocorrer o repique da pandemia no próximo inverno no Hemisfério Norte e enquanto a ciência não desvendar o mistério.

Em situações quase apocalípticas como a atual é interessante observar que não existe dilema entre os economistas tão afeitos às polêmicas intestinais. É hora de o Estado agir, intervir no mercado, coordenar as forças e mobilizar os recursos. Sua ausência, seu retardo, ou vacilo gerará o caos. A liquidez financeira, a solvência empresarial, o suprimento das mercadorias essenciais e o sustento do consumo das famílias exigem medidas radicais e imediatas que demoraram a ser apreciadas nos Estados Unidos e, principalmente, no Brasil. À saída da pandemia, ancorada em tosca ideologia, a teimosia determinará o custo.

Na antessala da tragédia, o foco tem de ser a saúde das pessoas e o objetivo claro: evitar o aumento do número de contaminados e, por conseguinte, de vítimas fatais. A ideologia que deve predominar é salvar vidas. O debate não pode e nem deve ser político, trata-se de saúde publica. As políticas fiscal, monetária, cambial, industrial e social devem ser todas articuladas para salvar vidas. Até aqui, a única resposta da medicina é preventiva –a quarentena. Sem ela, o colapso do país chegará mais cedo do que tarde. Basta lembrar “Milão não Para”, a campanha do prefeito da capital financeira italiana.

Sem esquecer que, no Brasil, contavam-se 13 milhões de desempregados e 28 milhões de mal empregados em meados do ano passado; portanto, emprego e renda mínima terão de ser preservados com medidas pragmáticas para que o dinheiro chegue o mais rápido possível. A isso se soma uma escalada da crise sanitária global que prenuncia, segundo epidemiologistas, a guerra biológica do futuro. Com extensas e numerosas comunidades sem água e esgoto, ao lado de nossas casas, a derrota é certa. O acesso às condições mínimas de vida por parte da maioria dos brasileiros não devia ser questão ideológica; estamos entre aqueles com maior concentração de renda no mundo. Não se trata de esquerda, ou direita, mas do exercício futuro da democracia. Ela depende de políticas sociais objetivas, pragmáticas e efetivas que devem chegar com rapidez a quem precisa; ou seja, a todo o país.

O desafio econômico que traz a atual crise sanitária não tem igual na história moderna, nem a crise de 1929 é comparável. Como minimizar os efeitos devastadores do isolamento social e da parada nos negócios? Participar da pesquisa científica realizada em escala global, tirar lições do que acontece alhures, antes de acontecer aqui, usar a comunicação instantânea e a vigilância digital por meio das redes sociais para prevenir o pior, produzir máscaras, equipamentos de proteção, detergentes, respiradores hospitalares, reagentes e testes… A certo momento, como dizem alguns economistas, até mesmo jogar dinheiro do helicóptero. A ação do Estado terá de ser reformulada. O pós-crise do novo coronavírus será solidário ou o caos.

(Fonte: Poder360)

Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Luiz Eduardo Duque Dutra é professor da Escola de Química da UFRJ.