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A questão da transparência de preços volta à pauta do setor de combustíveis, diante do anúncio de que a Resolução da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) sobre o assunto será publicada em breve.

A discussão foi iniciada no fim de 2018 com a divulgação de uma Minuta, pela ANP, colocada em consulta e audiência pública. A relevância do tema mobilizou diversos agentes do setor e partes interessadas.

Não se deve negar que a atitude da agência foi louvável. No entanto é de extrema importância que todas as contribuições tenham sido ponderadas e adequadamente consideradas. Afinal, ficou claro que a medida, tal como apresentada inicialmente, precisa de maior reflexão. Afinal de contas, um desafio foi criado: harmonizar a imposição da transparência com o regime de liberdade de preços nos mercados de combustíveis.

É preciso analisar a fundo as consequências da efetividade da nova Resolução. A minuta de Resolução apresentou regras para a transparência na divulgação dos preços relativos à comercialização de derivados de petróleo, gás natural e biocombustíveis. Sendo essas regras aplicáveis a produtores, importadores, distribuidores e revendedores de combustíveis.

Especificamente, os produtores e importadores com participação de mercado superior a 20% em cada macrorregião política do país deveriam respeitar uma fórmula paramétrica de preços e divulgá-la. Ou seja, pelo regulamento proposto, o referido agente deveria se basear em certos parâmetros, que consistem no preço de referência internacional, no desconto aplicado sobre este valor de referência, no custo de importação e no frete interno.

Os referidos agentes, ainda, seriam obrigados a informar para a ANP qualquer tipo de alteração na fórmula de preços ou em algum de seus parâmetros. Destacando que os agentes estão sujeitos a penalidades, caso os preços divulgados sejam diferentes daqueles implícitos na fórmula. Distribuidores e revendedores também passariam a ter que informar preços à ANP, cabendo à agência dar publicidade a essas informações.

Evidencia-se que, da forma como foi proposta, a transparência de preços pode ser prejudicial ao mercado de combustíveis. Está clara a confusão entre regulação e intervenção e uma das empresas que será mais afetada por isso é a Petrobras. A obrigatoriedade de seguir uma fórmula para fixação de preços, além de publicá-la, limitaria a competitividade da Petrobras e comprometeria o cenário de concorrência.

A fórmula de precificação de uma empresa é um segredo do negócio e a obrigação de divulgá-la infringiria a liberdade e comprometeria a estratégia. Deve-se considerar, ainda, que os concorrentes, de posse das informações abertas, poderão ajustar seus preços de acordo com a Petrobras, espremendo as margens do setor.

Outro efeito desfavorável é a oportunidade da prática de preços similares pelas empresas, fixando margens para impulsionar os ganhos econômicos. Ou seja, pode ocorrer pressão para a prática de preços elevados, ampliando risco de cartel. Dessa forma, a proposta pode prejudicar o consumidor final, em vez de beneficiá-lo.

Quanto ao preço de produtor/importador, a ANP já publica semanalmente Preços de Referência para 5 polos de entrega da Petrobras, que precisam ser revisados e ajustados, mas já permitem que a Agência identifique distorções nos preços praticados e atue junto ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) ou outro órgão competente, de forma a evitar a prática de preços abusivos ou predatórios pelo Agente Dominante.

Portanto, a mudança na regulamentação acrescentaria pouco ao esforço realizado até então. Nota-se que a política de preços da Petrobras deixou para trás o longo período de intervenções, verificado especialmente de 2011 a 2014.

A nova resolução pode afetar, também, a distribuição e a revenda, que terão suas margens controladas e suscetíveis à pressão pela total transparência. Além disso, esses segmentos sentirão o avanço da burocracia na operação comercial, com possibilidade e ampliação de custos e riscos legais.

É válido destacar que esses segmentos já disponibilizam uma quantidade considerável de informações publicamente, incluindo a pesquisa de preços semanal da ANP e a exigência de que os revendedores divulguem seus preços em cada posto de gasolina.

Outro efeito adverso da imposição de transparência de preços é o aumento da dificuldade para atrair os novos investimentos no segmento de downstream, dificultando a execução do Plano de Desinvestimentos da Petrobras.

A Petrobras planeja vender ativos de refino fato que, se consolidado, representaria um passo significativo para iniciar o movimento para o fim do monopólio histórico da empresa e tornar o mercado de combustíveis mais competitivo. No entanto, a exigência da divulgação de uma fórmula de precificação, que configura em uma intervenção da liberdade comercial, comprometeria a atratividade dos ativos no segmento downstream.

Diante do exposto, é questionável se a proposta transparência de preços atingirá seu objetivo sem prejudicar o funcionamento do mercado. O objetivo inicial era promover uma precificação mais adequada dos combustíveis, questão central da fatídica greve de caminhoneiros que paralisou o país.

Contudo, a forma tomada por essa solução não contempla os problemas principais. É preciso considerar que os tributos são os maiores responsáveis por onerar o preço dos combustíveis ao consumidor final e, até o momento, nada foi discorrido nesse sentido.

Além disso, é fato que a ANP não tem que se preocupar em determinar preços. Se a agência quer realmente proteger o consumidor, não há necessidade de intervenção, mas sim de uma atuação efetiva, com base no tripé: (1) fiscalização da qualidade dos combustíveis, por meio de convênios com o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), por exemplo; (2) combate à sonegação, atuando em parceria com a Receita Federal e com as Secretarias Estaduais Fazenda; e (3) eliminação do abuso no poder de mercado, em convênio com o Cade.

A elevação do preço dos combustíveis é sempre um grande incômodo para qualquer governo. No entanto, as soluções apresentadas parecem não ser as mais adequadas. Ninguém no governo fala sobre mudança na tributação incidente no setor. Pelo contrário, o que tem se notado é a abertura de possibilidades para a intervenção nas relações privadas tirando valor da Petrobras, das refinarias e das distribuidoras. A transparência de preços proposta pela ANP, a depender da forma como será aplicada, poderá ser ruim para o mercado e prejudicar o plano de desinvestimentos da Petrobras.

Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), uma consultoria em energia.

Fonte: Poder360