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Adriano Pires e Bruno Pascon, para o Poder360

Refinarias da Petrobras somam 98% da capacidade de refino do país.

No dia 4 de junho, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) realizou sua 5ª Reunião Extraordinária, na qual foi aprovada uma resolução para aumentar a transparência e a competição na atividade de abastecimento de combustíveis no Brasil. Apesar da necessidade de promover a transparência e a concorrência no setor, o conteúdo divulgado decepcionou o mercado.

O CNPE deveria atuar por meio de diretrizes para reestruturar os segmentos de distribuição e revenda (downstream), buscando contribuir para a solução dos principais gargalos existentes. Ao invés disso, a resolução atribuiu aos órgãos envolvidos medidas questionáveis e que podem não resultar em melhorias para o setor. E o pior, podem afastar investidores de qualidade. Ao mesmo tempo, não há uma sinalização clara sobre a atuação desses órgãos em relação a questões mais relevantes para o setor, como a sonegação e a política tributária.

A resolução retoma a discussão sobre a venda direta de etanol da usina para os revendedores, amplamente debatida na Tomada Pública de Contribuições nº 2/2018 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Naquele momento, ficou claro que, da forma que foi apresentada, a medida só trará impactos negativos. A falta de escala e de capilaridade das usinas, por exemplo, elevaria o custo logístico da distribuição e poderia aumentar a informalidade. Para implantar a venda direta, a solução é criar a chamada distribuidora vinculada.

Já no âmbito das Consulta e Audiência Públicas nos 20/2018 e 4/2019, as contribuições mostraram que a questão da transparência de preços pode facilitar a formação de cartel, indo na contramão da competição desejada e violando o direito dos consumidores. Voltar no tema resultaria em desperdício de energia e tempo, que serão necessários para discutir outras questões.

Essas consequências negativas apresentadas também estão relacionadas ao fato de o downstream brasileiro nunca ter funcionado de forma livre. Não sabemos qual seria o comportamento do mercado em um setor com preços livremente pactuados, alinhados com o mercado internacional, sem intervenção do governo e com o fim do monopólio da Petrobras no refino.

É importante lembrar que os segmentos de distribuição e revenda já são concorrenciais, com quase 200 distribuidoras de combustíveis líquidos e mais de 40.000 postos revendedores varejista. Apesar da distribuição ser concentrada em 3 grandes empresas (Raízen, Ipiranga e BR Distribuidora) no âmbito nacional, há uma competição local entre elas e as distribuidoras regionais. O refino é o único elo do downstream em que há um monopólio de fato, já que as refinarias da Petrobras somam 98% da capacidade de refino do país.

A resolução chega justamente no momento em que a Petrobras anuncia a venda das suas refinarias e assina um TCC com o CADE, o que provocará impactos diretos no downstream. Com a atração de agentes privados para o refino, haverá uma concorrência entre refinadores e importadores, desde que haja paridade internacional dos preços. É precipitado elaborar uma regulação sem antes entender como o setor irá se adaptar às mudanças em curso.

A resolução do CNPE dá diretrizes para uma maior concorrência e transparência no setor, com uma ótica que não nos parece a mais adequada. Em um setor caracterizado ao longo do tempo pela presença do monopólio da Petrobras, as soluções para maior concorrência e transparência são complexas e, por isso, devem de ser dadas pelo mercado.

Quanto maior a complexidade, mais precisamos deixar o mercado funcionar. Nesse caso, o governo deveria se concentrar nas questões tributárias e no combate à sonegação, que criam concorrência desleal, impedem a atração de investimento de qualidade e lesam consumidores e contribuintes, ao invés de gastar tempo e energia com temas secundários, como a venda direta de etanol.

Cada órgão deve se concentrar nas suas responsabilidades, com a ANP fiscalizando e regulando o setor de combustíveis, o CADE verificando e punindo práticas de mercado irregulares e o Ministério da Economia revendo os tributos no setor. Do contrário, vamos continuar andando em círculos, sem soluções definitivas.

(Fonte: Poder360)

Adriano Pires

Adriano Pires é sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), Mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Atua há mais de 30 anos na área de energia.