Post

Estatal também vai reduzir parte dos salários e gratificações

Por André Ramalho e Rodrigo Polito para o Valor Empresas.

A Petrobras anunciou ontem nova redução de 100 mil barris diários na produção de petróleo da empresa e, com esse movimento, levou o corte total para 200 mil barris/dia. O primeiro ajuste havia sido feito na semana passada. O enxugamento na oferta equivale a cerca de 9% da produção média da estatal em fevereiro, que foi de 2,138 milhões de barris diários, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis (ANP). A decisão levou em conta a sobreoferta no mercado em momento de forte contração da demanda global da commodity.

Os 200 mil barris/dia cortados representam mais do que tudo aquilo que a companhia produz em águas rasas e em terra. Isso dá a dimensão de que a queda abrupta do preço começa a afetar não só os campos menos rentáveis, mas também aqueles em águas profundas e ultrapofundas, o “core business” da empresa, onde estão tanto as áreas maduras do pós-sal quanto os ativos do pré-sal.

Depois de reduzir em 29% os investimentos para 2020 e divulgar um pacote de medidas para preservar o seu caixa, na semana passada, a Petrobras voltou a lançar iniciativas para fazer frente ao cenário de preços baixos do barril e também informou ontem que vai cortar parte dos salários e gratificações de seus empregados.

A estatal fará redução temporária de jornada de trabalho de mais de um terço de seu quadro de pessoal, acompanhada de corte salarial proporcional, e vai transferir parte de seus funcionários de unidades operacionais para a administrativa. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) disse que as mudanças vão representar cortes nos adicionais de periculosidade e de sobreaviso. O coordenador-geral da FUP, José Maria Rangel, reconhece que o momento é difícil para a mobilização, mas afirmou que os sindicatos avaliam providências para reverter a perda da remuneração. A categoria vê, na medida, um sinal trocado em relação à proposta de aumento de 26% da remuneração da administração.

A Petrobras alega que o aumento de R$ 9 milhões da remuneração global da administração, para até R$ 43 milhões, incorpora os bônus relativos à remuneração variável (Programa de Prêmio por Performance) referentes a 2019 – ano em que a empresa obteve lucro recorde. A companhia também esclarece que adiará o pagamento dos bônus. Segundo a petroleira, dos valores que cabem à diretoria, 60% serão pagos em 2020 e o restante, em quatro parcelas anuais.

Na última semana, a estatal anunciou corte de 23 mil barris diários oriundos de campos de águas rasas por questão de custos, a partir da hibernação de plataformas. Na ocasião, o diretor de exploração e produção, Carlos Alberto Pereira de Oliveira, disse que demais cortes viriam de outros campos, menos por questão de custos e mais por falta de demanda.

A petroleira não detalha de onde virá o corte de produção adicional. A estatal disse que as paradas programadas de plataformas não influenciam no corte anunciado e que “condições mercadológicas e operacionais, avaliadas diariamente” são os fatores que definem os campos onde haverá redução.

O chefe de pesquisa de exploração e produção de petróleo da Wood Mackenzie na América Latina, Marcelo de Assis, disse que o corte da Petrobras é motivado pela queda da demanda global. “Um volume de 200 mil barris/dia não é muito numa escala global. A questão é que esse volume já não tem mais mercado”, afirmou.

A Rystad Energy estima que a demanda global por petróleo atingirá o seu ponto mais baixo este mês, contraindo-se em mais de 22 milhões de barris/ dia em relação às estimativas pré-crise. Para o ano, a expectativa é de queda de 6,4%.

De acordo com um analista que acompanha as ações da Petrobras, a estatal cortou a sua produção não só porque a demanda despencou, mas também porque ela não possui capacidade significativa para estocar o produto. Para ele, a tendência é que outras petroleiras também anunciem cortes e que o volume de estocagem mundial chegue ao limite neste trimestre.

Na gestão de custos, a Petrobras vai adiar o pagamento de 10% a 30% da remuneração mensal de empregados com função gratificada; reduzirá temporariamente a jornada de trabalho de 21 mil empregados, de oito para seis horas, com corte proporcional no salário; e fará uma mudança temporária de 3,2 mil funcionários que trabalham em regimes de turno e de sobreaviso para o regime administrativo. A estatal quer poupar R$ 700 milhões com pessoal.

“Não há outra alternativa. A Petrobras está fazendo o que qualquer empresa organizada pode fazer para reduzir custos. A gestão de Roberto Castello Branco está adaptando a empresa para viver a US$ 25 o barril”, diz o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. Para ele, as medidas são importantes também para que a empresa se prepare para a recuperação do mercado, quando ela vier. “Está na hora de todos fazerem um sacrifício”.

Para Rodrigo Leão, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), vinculado à FUP, é preciso que a Petrobras comece a se preparar para o “novo mundo do petróleo”. “As petroleiras que estiverem em petroquímica e refino provavelmente se sairão melhor dessa crise, porque esses negócios servem como colchão em momentos de volatilidade do petróleo. O projeto da Petrobras não pode continuar sendo vender ativos, como as refinarias, se ninguém sabe neste momento para onde o mercado caminhado. A Petrobras se vende para o mercado, hoje, como exportadora de petróleo. É natural que as ações da companhia sofram mais do que a das demais petroleiras”, disse.

William Nozaki, também do Ineep, disse que as medidas da maior estatal brasileira podem ter efeitos sobre a macroeconomia. Para ele, o pacote de resiliência da Petrobras peca por se concentrar em medidas de curto prazo. “Ela tem usado as oportunidades de crise para fazer ajustes microeconômicos que vão deixar impactos macroeconômicos indesejáveis.”

(Fonte: Valor)