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Associações pedem cardápio de ações, em vez de apenas empréstimo, para atenuar prejuízos

Por Daniel Rittner para o Valor Econômico.

A equipe econômica estuda um socorro bilionário às distribuidoras de energia, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou de um “pool” de bancos comerciais, mas uma ala majoritária da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vê essa medida com ressalvas. A agência avalia um cardápio de ações, começando pela abertura de renegociações bilateral dos contratos de fornecimento entre geradoras e distribuidoras, como alternativa para lidar com a crise.

No sábado, o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) fez uma reunião virtual com as principais associações do setor elétrico e recolheu contribuições para a adoção de medidas. Uma das associações traça cenário em que as distribuidoras terão queda de até 20% no consumo de energia neste mês, quando comparado com o mesmo período do ano passado, e 35% de inadimplência no pagamento das contas. O corte de luz – mecanismo considerado mais eficaz pelas empresas para forçar clientes com pagamentos atrasados a acertar sua situação – foi suspenso por 90 dias pela Aneel.

Diante do rombo estimado em até R$ 20 bilhões no fluxo de caixa das distribuidoras, Albuquerque e seus auxiliares ouviram sobre a necessidade de um “acordo geral” no setor elétrico, no estilo do adotado durante o racionamento de energia em 2001. “Vai ser preciso um acordão no setor, envolvendo todos os agentes, não medidas pontuais”, diz Paulo Pedrosa, presidente-executivo da Abrace, que reúne grandes consumidores industriais. “A solução virá de várias partes. Se cada um colaborar um pouquinho, todos perderão menos.”

Pedrosa sugere um conjunto de iniciativas paralelas: fundos setoriais voltados para eficiência energética e para pesquisa e desenvolvimento podem ser redirecionados. A taxa de retorno de geradoras, transmissoras e distribuidoras (conhecida pela sigla WACC) pode ter uma redução momentânea. O Tesouro Nacional pode participar cobrindo encargos como a tarifa social para famílias de baixa renda. E o BNDES pode aportar recursos no capital das empresas, com um compromisso e cronograma de revenda pré-definidos, com ganhos a partir da potencial valorização de fatias acionárias no pós-crise.

“Os impactos da crise não devem apenas ser transformados em um custo para os consumidores, comprometendo a retomada da economia”, disse Pedrosa, que foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia no governo Michel Temer, na videoconferência de sábado. “A solução precisa apontar para a modernização do setor, o fim dos subsídios, maior eficiência do mercado e na alocação de riscos e custos, eliminação dos custos de políticas públicas pagos como encargos. Não acolher empresas ineficientes e segmentos que dependam permanentemente de proteção e reserva de mercado.”

Em relatório especial sobre a crise do coronavírus, o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, vê uma possibilidade de que a carga de energia comece a se normalizar a partir de junho e se comporte “dentro de patamares normais” ao longo do segundo semestre. Mesmo assim, seria suficiente para uma retração de 1,5% no consumo do sistema interligado em 2020, o que significaria retirada de 2.750 megawatts (MW) médios no ano.

“Para o cenário de oferta e demanda, enxergamos um aumento de um ano na cobertura da demanda no horizonte decenal, passando de 2024 para 2025. Logo, tudo mais constante, leilões futuros de energia seriam destinados a cobrir a demanda a partir de 2026.”

Pires acrescenta outra possibilidade no leque de medidas para análise: no caso de concessões perto de vencer, tanto de usinas hidrelétricas como de linhas de transmissão, Pires cogita a hipótese de diferimento de suas faturas em troca de um ativo regulatório que se converteria em ampliação de prazo dos contratos.

Na semana passada, o grupo paranaense Copel estimou em R$ 15 bilhões a R$ 17 bilhões a necessidade de empréstimo para recompor o fluxo de caixa das distribuidoras, que são uma porta de entrada dos recursos no setor. Nos bastidores, fala-se em até R$ 20 bilhões.

O mecanismo de ajuda seria inspirado no resgate adotado em 2014, pelo governo Dilma Rousseff, que viabilizou crédito de um “pool” de bancos à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A chamada “Conta ACR” acabou sendo repassada às tarifas.

Uma fonte ligada ao Ministério de Minas e Energia, no entanto, faz o seguinte cálculo: cada R$ 1 bilhão para as distribuidoras se reverte em 0,6 ponto percentual de aumento nas tarifas para os consumidores. Se houver um empréstimo de R$ 20 bilhões, o impacto chegaria a 12%. Mesmo dividido em quatro anos, seriam 3% por ano. Por isso, defende essa fonte, a primeira medida deveria ser a renegociação dos contratos de compra e venda de energia.

“É preciso pensar em um acordo geral do setor elétrico”, acredita Mário Menel, presidente da Abiape, entidade que congrega as empresas autoprodutoras de energia, como Alcoa, Gerdau e Votorantim.

Veterano na área de energia, Menel já participou de momentos célebres, como a “câmara do apagão”, que gerenciou o racionamento do governo Fernando Henrique Cardoso, e a MP 579, medida provisória editada por Dilma e que redundou em prejuízo de mais de R$ 100 bilhões.

“A crise atual é mais complexa”, avalia Menel, quando compara os momentos de maior sensibilidade para o setor elétrico neste século. “Em 2001, o setor elétrico era o centro de todas as atenções e o governo estava voltado para um socorro. A mesma coisa aconteceu em 2012. O caos se instalou. Agora, há uma disputa de prioridades. Estamos com uma crise global, que pega o país todo, e o nosso cobertor é curto.”

Menel aponta o projeto de lei para resolver o risco hidrológico das geradoras (GSF na sigla em inglês), em tramitação no Senado, como exemplo das dificuldades em meio à pandemia de coronavírus. O PL 3975/19 aguarda votação em plenário para seguir à sanção presidencial e solucionar uma inadimplência de 90% no mercado “spot”.

Com quase 10 mil MW de capacidade instalada em usinas hidrelétricas, os autoprodutores querem vender suas sobras de energia, em um momento de fábricas paradas, no mercado de curto prazo (spot). O preço de liquidação de diferenças (PLD) nesse mercado está no piso de R$ 39,68 por megawatt-hora. Mesmo sendo baixo, as empresas poderiam ter uma fonte de receita para atenuar suas perdas.

O problema é que, com uma inadimplência tão alta, só uma pequena parte do dinheiro cai efetivamente na conta dos vendedores. “Quando o ministro Bento entrou, ele prometeu uma solução para o GSF em 30 dias. Já se passaram 15 meses de governo e ainda não saímos do impasse.”

(Fonte: Valor)